21 de dez. de 2007

A velha pergunta "o que é a filosofia?" e as novas tecnologias

Filósofos amadores e profissionais em geral gostam de perguntar pela natureza de seu ofício repetidamente. Deleuze em seu elementar, mas não introdutório, "O que é a filosofia?" se coloca essa questão premente e que não pode mais ser evitada na hora de falar seriamente. Hegel se posiciona ao entardecer, quando a coruja de Minerva alça seu vôo. Nesse sentido de resposta, a filosofia é essencialmente a reflexão tardia e totalizadora de quem se dedicou a vida à arte dos primeiros princípios. Contudo, o termo filosofia possui muitos e distintos sentidos, querendo quase significar coisas diferentes para pessoas diferentes.
Gostaria de explorar brevemente uma outra idéia que, creio eu, está tão espantosamente ligada à própria pergunta que é dificilmente percebida. Perguntas em geral estão associadas a contextos comunicativos, onde se pressupõe a existência de falantes que buscam cooperar na forma de diálogos. Perguntar pelo que é a filosofia é, assim, entrar necessariamente em um contexto de discurso que, como tal, está estruturado a partir de regras implícitas e explícitas. Desse modo, perguntar pela natureza de uma arte dentro de uma escola que a ensina é perguntar pela sua justificação acadêmica, o que, por sua vez, leva a justificativas de cunho epistemológico. Obviamente que nas escolas comprometidas ideologicamente as justificativas contém igualmente uma justificativa política. Nesse caso, o melhor dos mundos é o marxismo científico, igualmente científico e engajado. Contudo, a crise de um sistema de pensamento não é a crise da filosofia. Muitas vezes, a história mostrou o contrário. Momentos de crises e de quebras de paradigmas são especialmente ricos e fecundos em termos de idéias (mesmo aquelas que hoje não seriam admitidas como filosóficas, como as da física newtoniana, da biologia darwiniana ou da psicanálise freudiana).
Seja como for a pergunta permanece.
O meio onde se pratica essa arte altera radicalmente, senão a natureza da pergunta, oracular e indecifrável quanto aos seus propósitos, a natureza da resposta. O fato é que a arte evolui com os vetores a partir dos quais se propaga. A arte falada por Sócrates no mercado, onde ensinava o ofício da argumentação correta e conseqüente aos seus compatriotas, sofreu a sua mais brutal transformação com o advento da palavra escrita. A invenção da filosofia escrita configura acontecimento espetacular, que preservou para posteridade modelos de pensamento, bem como suas discussões, que certamente teriam sido perdidos por qualquer tradição oral.
Será que a invenção e amadurecimento de ambientes virtuais não acrescenta novas e inusitadas camadas à arte da filosofia? A criação de hiperlinks adiciona uma nova e rica camada de informações ao texto bidimensional, criação antiga e simplesmente transposta à linguagem dos pixels. As novas formas de diálogo sugerem novas formas de argumentação, o que, pelo menos do ponto de formal, já representa alterações significativas na própria essência da filosofia: o pensamento. Um silogismo que usa premissas em hiperlink desloca a necessidade de evidências, sejam textuais, sejam figurativas, para uma outra dimensão do discurso. O pensamento não compreende apenas de maneira linear, linha após linha, mas pode percorrer inúmeros caminhos, recebendo informações não apenas na ordem premeditada pelo autor, mas também naquelas exercidas por sua vontade.

29 de out. de 2007

Retomando as atividades

Após alguns meses sem atividade, esse blog retomará suas publicações.

3 de fev. de 2007

O duplo papel da síntese: com-por e com-preender

Brum Torres em seu artigo Intuição cognitiva e pensamento de re apresenta um problema exegético fundamental para a Crítica da Razão Pura: como conciliar as doutrinas kantinas da Estética Transcendental com as da Analítica Transcendental. O problema consiste em conciliar a tese de que as intuições são cognições de objetos com a tese de que toda percepção envolve necessariamente uma síntese - ato do entendimento - e, portanto, todo objeto do conhecimento, propriamente falando, é sempre e somente produto de um juízo. Da tese da Analítica se segue que é absurdo sustentar que as intuições sejam ditas, em algum sentido relevante, cognições, pois cognições propriamente ditas somente ocorrem com o ato do juízo. Desse modo, quando abro os olhos pela manhã, para haver cognição de qualquer natureza, devo sempre estar fazendo juízos. Tese certamente contra-intuitiva e, se encontra base nos textos de Kant, certamente não dá conta da experiência cotidiana de nossa percepção, na qual passamos momentos felizes contemplando o teto do quarto de dormir ou paisagens sem pensarmos em nada. Adicionalmente, há o agravante denunciado por Brum Torres de que essa segunda interpretação implica, do ponto de vista exegético, em rasgar a Estética Transcental, abandonando a doutrina das intuições, para se ater somente à doutrina do juízo presente na Analítica Transcendental.

Como solução para o problema acima apresentado de conciliar as doutrinas da Crítica da Razão Pura sem amputar uma de suas partes, reconhecidamente a maior inovação teórica da primeira Crítica, pois permite delimitar os objetos do conhecimento aos limites da experiência possível, Brum Torres chama atenção para um texto de Heidegger, onde o filósofo alemão explica a síntese como um processo essencial e originalmente ambíguo. Por um lado, síntese significa com-por, isto é o ato primário e originário de pôr junto, de intuir uma totalidade. Quando apreendo uma série: PALAVRA, por exemplo, há um sentido em que o todo com-põe uma figura diferente da mera soma de suas partes. O con-junto dos sinais gráficos que com-põe a série acima é a soma de diversas percepções consideradas con-juntamente, isto é, sintetizadas enquanto dadas. Este primeiro nível de apreensão, onde ainda não intervém as atividades do entendimento, chamaremos pa-lavra, para diferenciar do objeto já com-preendido pelo entendimento. A com-posição dos sinais gráficos qua pa-lavra, é tarefa da sensibilidade, a faculdade que dá objetos (e não meramente impressões ou sensações).

A pa-lavra pode comportar cargas semânticas diversas. Palavras homônimas como banco (de sentar) e banco (instituição de crédito) fornecem um bom exemplo de casos em que a mesma intuição - fruto de uma com-posição que resulta em um mesmo con-junto de sinais, a mesma pa-lavra - fornecem cargas semânticas diferentes. É somente nesse segundo nível da percepção que intervém o outro sentido da síntese apresentado por Heidegger. Nesse caso, a síntese é um ato de espontaneidade do entendimento, é uma com-preensão. A com-preensão da pa-lavra resulta na apreensão de sentido e significado. Com-preendo banco como um objeto onde as pessoas sentam ao com-preender o contexto onde tal pa-lavra se encontra no ato do juízo. Quando com-preendo que Casa é o correlato semântico de Haus, realizo uma operação sintética do entendimento, julgo, a pa-lavra portuguesa Casa e a pa-lavra alemã Haus, como possuindo o mesmo significado. Tal operação é realizada pelo entendimento, ainda que pressuponha uma síntese prévia, a da com-posição da pa-lavra, realizada pela faculdade da sensibilidade.

19 de jan. de 2007

Análise do meu tempo: jornalismo ou filosofia?

Devemos deixar a análise das transformações de nosso tempo como tarefa privilegiada dos jornalistas? Os filósofos devem apenas, segundo uma famosa imagem dada por Hegel em sua Filosofia do Direito, esperar o entardecer dos acontecimentos para analisá-los, comprrendê-los e julgá-los? Nos tempos atuais, de aceleradas transformações materiais e intelectuais, os filósofos podem se eximir dessa tarefa sem perderem o essencial de seu ofício?
Certamente a análise feita por jornalistas nos meios de comunicação de massa são insuficientes para a compreensão da complexa teia de interações e transformações de nossa realidade presente. De outra parte, os filósofos possuem um instrumental teórico e analítico muito mais poderoso e rigoroso, mas pouco aplicado à compreensão da vida presente. Ao delegar a tarefa de análise da realidade presente e atual aos jornalistas, estariam os filósofos à altura de sua tarefa? Aristóteles, Descartes, Leibniz, entre outros, tinham em comum não apenas uma concepção filosófica do real, como também uma pretensão de um conhecimento totalizante, que abarcasse a totalidade do real em suas diversas espeficidades. Para tanto, não se constrangeram em empreender investigações e análises empíricas, quer do mundo natural, quer do mundo cultural. Catar conchas, colecionar constituições, descrever a circulação sanguínea, servir no exército e no serviço diplomático foram tarefas executadas com afinco por filósofos hoje considerados canônicos pela acadêmia.
Considerando que o conhecimento humano se especializou, dividindo-se num sem-número de disciplinas e áreas distintas, nos últimos 200 anos, ainda assim há espaço para análise das concepções contemporâneas de homem e natureza que não fiquem restritas a uma área específica do saber. Ainda é possível fazer filosofia sem olhar apenas para a sua história.

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12 de jan. de 2007

Reprimir ou reprimir: dilemas da segurança pública no Brasil


A recente onda de endurecimento do discurso de importantes personalidades públicas gaúchas e nacionais nos fazem crer que a única saída para a violência ímpar que atinge nossa sociedade é aumentar a repressão. Tal política leva a um aumento enorme da população carcerária, sem, contudo, como estamos vendo, diminuir os índices de criminalidade. Sem dúvida, o assunto é polêmico e desperta paixões iradas. Um pouco de reflexão, contudo, não é todo desnecessária.

Uma das principais causas do inchaço da população carcerária ocorreu com a transformação do tráfico de drogas em crime hediondo. Parelalemente ao endurecimento da repressão ao tráfico, assistimos a discriminalização dos usuários. Por quê? Porque pertencem a classes diferentes, parece ser a resposta mais lógica quando se trata de Brasil. De outra parte, assassinos confessos, praticantes de crimes hediondos de classe média alta ficam em casa enquanto ladras de pote de margarina amargam cana dura. Certamente, a sensação de impunidade e de injustiça aumenta muito quando notamos as classes para quem são concedidos os direitos de "ampla defesa" e de "declaração de guerra". Quero dizer, com isso, que a reflexão sobre a violência no Brasil é inseparável de considerações sobre as classes sociais.

Avanço no raciocínio. Não apenas isto. Os principais focos da criminalidade não são sequer arranhados com a atual política de segurança pública, que considera, indiscriminadamente, todos os infratores de classe baixa como inimigos. Tal termo, utilizado amplamente nos dias de hoje vai contra todos os princípios da nossa "Constituição cidadã". Quanto mais alto e rarefeito for o ar, mais a Constituição se aplica. Basta lembrar que crime para o andar de cima, como diz Hélio Gaspari, é ilícito. Criminosos, só os do andar de baixo.

A principal causa de tais índices de violência, no entanto, parece ser outro do que aquele proferido iradamente nos discursos oficiais: a favela. Sem condições mínimas de segurança, habitação, higiene e educação, a violência transborda com naturalidade de barracos mal equilibrados e sem canalização de esgoto. O interessante é que a violência somente se torna um problema social quando desce para o asfalto. Confinada aos morros e favelas a violência é vista como "guerra de traficantes". Em nenhum dos programas de governo dos atuais administradores é contemplado um programa ousado de desfavelização, incluindo regularização fundiária, a base para todas as ações subseqüentes. Enquanto o verdadeiro problema fundiário brasileiro (ao contrário do que prega, por exemplo, o MST) encontra-se nas regiões metropolitanas do Brasil e não no campo, não for enfrentado com determinação, as favelas continuarão sendo o grande viveiro da violência cega de nossas grandes cidades.

11 de jan. de 2007

As histórias - Livro I

No livro I das Histórias Heródoto relata as aventuras de Croesus, rei da Lydia e de Cyrus, rei dos Persas. Certo dia, Croesus recebeu a visita de Solón, legislador de Atenas e lhe perguntou quem era o homem mais feliz do mundo. Solón respondeu que era um ateniense chamado Tellus, próspero e saudável, que sofreu uma morte honrosa no campo de batalha e teve, por isso, um funeral público. Croesus não ficou satisfeito com a resposta, porque nutria o desejo de que Solón, ao ver suas riquezas e tesouros, terminasse por julgá-lo o homem mais feliz do mundo. Não se dando por satisfeito, Croesus repete a pergunta, querendo saber quem era o segundo homem mais feliz. Solón responde que foram dois jovens de Argos, Cleobis e Biton, que viveram confortavelmente e eram muito admirados por sua força e caráter. A morte deles também foi gloriosa, ao carregarem um carro de boi com homenagens a Hera por 6 milhas, até o seu templo. O funeral de ambos foi suntuoso e toda Argos lá compareceu.
Croesus visivelmente contrariado com as respostas de Solón, lhe indaga sobre a sua própria felicidade. Solón lhe responde que o ser humano é basicamente uma criatura do azar. "Você", prossegue Solón se dirigindo a Croesus, "pode parecer muito rico e governar muitas pessoas, mas a questão que você me fez eu não irei responder, até saber que você morreu de maneira feliz." Mais adiante, Solón reitera o ponto: "Observe isso: até a pessoa morrer, mantenha a palavra 'feliz' em reserva. Até lá, ela não é feliz, apenas teve sorte". E, novamente: "Olhe o fim, não importa o que você esteja considerando. Freqüentemente Deus dá ao homem um vislumbre de felicidade, então posteriormente o arruína".
Croesus não teve prazer com a conversa entabulada por Solón, deixando-o com indeferença. Crente que era o mais feliz dos homens, Croesus se lança à conquista dos países vizinhos. Croesus, entretanto, é derrotado e preso por Cyrus, que decide queimá-lo vivo numa pira cerimonial juntamente com quatorze rapazes lydios. Enquanto as chamas se aproximam, Croesus murmurra amargamente o nome de Solón. Cyrus, curioso com tal atitude, o solta, ouve a história e o transforma, inicialmente em escravo e, posteriormente, em conselheiro. O irônico é que, no final do livro I Cyrus morre por obra de um conselho desastrado de Croesus.

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