11 de set. de 2008

A retórica da filosofia

Tenho me interessado muito por retórica, desde o nascimento da filosofia por oposição a ela, e suas relações com a democracia e com a filosofia. O ponto de partida dessa discussão encontra-se no Górgias, onde Platão usa a arte retórica para desacreditar por milênios os sofistas que ensinavam em Atenas, colocando no mesmo saco pensadores que, muitas vezes, não tinham a menor relação teórica entre si. Alguns dos sofistas eram, ao contrário de Platão, defensores da democracia de Atenas, do qual, talvez, o exemplo mais ilustre é o de Protágoras. Para quem não o conhece, vale a pena dar uma olhada no Epimeteu - o mito da Criação do Homem, que está no diálogo Protágoras de Platão. É verdade que Trasímaco, outro célebre sofista retrato por Platão no Livro I da República, defendia a justiça como interesse do mais forte, mas o seu discípulo Lísias, filho de Céfalo - também personagem do Livro I da República, se ofereceu para fazer a defesa de Sócrates frente a Assembléia de Atenas. Sócrates recusa, por coerência filosófica, que um sofista fizesse a sua defesa, uma vez que o seu objetivo não era demonstrar a verdade para platéia, mas sim convencê-la por meios ludibriosos. Seja como for, Lísias teria conseguido mais do os 221 votos conseguidos por Sócrates, que ironiza a Assembléia ao se dizer surpreso com a votação pró que ele conseguiu perseguindo a verdade.
Aristóteles resgata a arte necessária à democracia em sua Retórica e, tal como aconteceu com a lógica, foi grande referência da área durante milênios. A lógica é superada somente no século XIX, de modo que Kant chegou a afirmar que o conhecimento nessa área não havia avançado um passo desde a sua sistematização por Aristóteles. A retórica, por sua vez, encontra uma ampliação e sistematização somente no século XX com o Tratado da Argumentação de Perelman. Neste, a idéia de auditório é ampliada, abstraindo das condições, digamos assim, empíricas, dos auditórios particulares e se preocupando com as técnicas retóricas tanto para a argumentação lógica, quanto para a argumentação quasi-lógica, onde metáforas, exemplos, analogias, etc. são recursos utilizados pelo orador em assuntos onde a certeza não é possível, onde o provável ou o verossímil são os únicos critérios possíveis de serem utilizados na persuasão racional.

23 de jul. de 2008

Recarga de cartucho em Canoas

Aproveitei a tarde ventosa de ontem para visitar os subúrbios. Fui para Canoas visitar o amigo Xrmr e comprar uma recarga para minha impressora. Além da tarde agradável, ganhei cerca de R$100,00 no passeio, comparado com o que iria gastar recarregando o cartucho em Porto Alegre.

Vamos aos números: R$24,50 cartucho pó preto para Lexmark E120 e R$ 155,00 o mesmo cartucho recarregado em baixo da lojinha do viaduto da Borges. É verdade que em Canoas a loja vende apenas o Kit recarga: Pó de toner + chip + manual de intrução e a mão de obra é por conta do cliente; em PoA quem faz o serviço é a loja, o que obriga o cliente a voltar no dia seguinte para retirar o produto ou, então, pagar tele-entrega. Também deve-se notar que o preço praticado em PoA não é exclusividade da lojinha da Borges, pois uma breve pesquisa no entorno revelou que esse é o preço médio!!!

Entre as conversas da tarde, cogitamos que a diferença absurda de preço deve-se à localização do ponto de venda. Aliás, não é só tinta de impressora, mas produtos para classe média em geral (como esquadrias, móveis, pão, frutas, etc.) têm o seu preço determinado pelo tamanho do bolso de quem compra e não pelo seu custo de produção, de modo que, para muitas coisas, vale a pena visitar os subúrbios, ou, ainda melhor, ir às vilas fazer compras e não ao shopping...

18 de jul. de 2008

Carta de um louco

Reproduzo abaixo um pedaço do conto Carta de um louco, de Guy de Maupassant, relembrado pela Barbara em uma conversa sobre a física moderna, com o nosso amigo José Antônio. Ficou um pouco extenso para um post, mas a história vale a pena, especialmente para aqueles interessados na evolução psicológica, que só a literatura consegue fazer, das idéias científicas do século XVII.

Carta de um louco

Meu caro doutor, eu me coloco nas suas mãos. Faça de mim o que quiser.
Vou descrever-lhe, de maneira bem franca, o meu estranho estado de espírito, e o senhor julgará se não seria melhor que tomassem conta de mim por algum tempo numa casa de saúde, em vez de me deixar sujeito às alucinações e aos sofrimentos que me atormentam.
Eis a história, longa e exata, do mal singular da minha alma.
Eu vivia como todo o mundo, contemplando a vida com os olhos abertos e cegos do homem, sem me espantar e sem compreender. Vivia como vivem os animais, como vivemos todos, executando todas as funções da existência, examinando e crendo ver, crendo saber, crendo conhecer o que me cercava, quando, um dia, percebi que tudo é falso.
Foi uma frase de Montesquieu que iluminou bruscamente o meu pensamento. Ei-la:

“Um órgão a mais ou a menos na nossa máquina faria de nós uma outra inteligência. ...Enfim, todas as leis estabelecidas sobre o fato da nossa máquina ser de uma certa maneira, seriam diferentes se a nossa máquina não fosse desta maneira.”

Refleti sobre isto durante meses, e meses, e meses, e, a pouco e pouco, uma estranha clareza penetrou em mim, e essa claridade fez em mim a noite.
Com efeito, - os nossos órgãos são os únicos intermediários entre o mundo exterior e nós. Quer dizer que o ser interior, que constitui o eu, se encontra em contato, por meio de uns quaisquer filamentos nervosos, com o ser exterior que constitui o mundo.
Ora, não só esse ser exterior nos escapa pelas suas proporções, a sua duração, as suas propriedades inumeráveis e impenetráveis, as suas origens, o seu porvir ou os seus fins, as suas formas longínquas e as suas manifestações infinitas, como ainda os nossos órgãos não nos fornecem, sobre a sua parcela que podemos conhecer, senão informações tão incertas, quanto pouco numerosas.
Incertas, porque são apenas as propriedades dos nossos órgãos que determinam para nós as propriedades aparentes da matéria.
Pouco numerosas, porque, não sendo os nossos sentidos mais que cinco, o campo das suas investigações e a natureza das suas revelações encontram-se bem restringidas.
Explico-me. - O olho nos indica as dimensões, as formas e as cores. Ele nos engana sobre esses três pontos.
Só pode revelar os objetos e seres de dimensão média em proporção com a estatura humana, o que nos levou a aplicar a palavra grande a certas coisas e a palavra pequeno a outras, somente porque a sua fraqueza não lhe permite conhecer o que é muito grande ou muito pequeno para ele. Donde resulta que ele não sabe e não vê quase nada, que o universo quase inteiro lhe permanece oculto, a estrela que habita o espaço e o animálculo que habita a gota de água.
Mesmo se ele tivesse cem milhões de vezes a sua potência normal, se percebesse no ar que respiramos todas as raças de seres invisíveis, assim como os habitantes de planetas vizinhos, existiriam ainda números infinitos de raças de animais menores e mundos de tal maneira longínquos que ele não os alcançaria.
Portanto, todas as nossas idéias de proporção são falsas, já que não há limite possível nem para a grandeza, nem para a pequenez.
A nossa apreciação das dimensões e das formas não tem nenhum valor absoluto, sendo determinada unicamente pela potência de um órgão e por uma constante comparação com nós mesmos.
Acrescentemos que o olho é, ainda, incapaz de ver o transparente. Um copo sem defeito o ilude. Ele o confunde com o ar que também não vê
Passemos à cor.
A cor existe, porque o nosso olho é constituído de tal sorte que transmite ao cérebro, sob a forma de cor, os diversos modos em que os corpos absorvem e decompõem, segundo a sua constituição química, os raios luminosos que os atingem.
Todas as proporções dessa absorção e dessa decomposição constituem os matizes.
Logo, esse órgão impõe ao espírito a sua maneira de ver, ou melhor, o seu modo arbitrário de constatar as dimensões e de apreciar as relações entre a luz e a matéria.
Examinemos o ouvido. (...)
Que dizer do gosto e do cheiro? Conheceríamos os perfumes e a qualidade dos alimentos sem as propriedades extravagantes do nosso nariz e do nosso paladar?
No entanto, a humanidade poderia existir sem o ouvido, sem o gosto e sem o olfato, quer dizer, sem qualquer noção do ruído, do sabor e do odor.
Se tivéssemos, portanto, alguns órgãos a menos, ignoraríamos coisas admiráveis e singulares, mas, se tivéssemos alguns órgãos a mais, descobriríamos, à nossa volta, uma infinidade de outras coisas, a respeito das quais jamais suspeitaremos da falta de meio para constatá-las.
Enganamo-nos julgando o Conhecido, e estamos rodeados pelo Desconhecido inexplorado.
Logo, tudo é incerto e apreciável de maneiras diferentes.
Tudo é falso, tudo é possível, tudo é duvidoso.
Formulemos esta certeza servindo-nos do velho ditado “Verdade deste lado dos Pirineus, erro do outro”.

E digamos: verdade em nosso órgão, erro ao lado.

Dois e dois não devem mais ser quatro fora da nossa atmosfera.

Verdade sobre a Terra, erro mais além, donde concluo que os mistérios entrevistos como a eletricidade, o sono hipnótico, a transmissão da vontade, a sugestão, todos os fenômenos magnéticos, só nos permanecem ocultos porque a Natureza não nos forneceu o órgão ou os órgãos necessários para compreendê-los
Depois de me ter convencido de que tudo o que os meus sentidos me revelam não existe senão para mim na maneira em que o percebo, e seria totalmente diferente para um outro ser de outro modo organizado, depois de ter concluído que uma humanidade feita de outro jeito teria sobre o mundo, sobre a vida, sobre tudo, idéias absolutamente opostas às nossas, pois, o acordo das crenças não resulta senão da similitude dos órgãos humanos, e as divergências de opinião provêm somente de ligeiras diferenças de funcionamento dos nossos filamentos nervosos, fiz um esforço de pensamento sobre-humano para conjecturar o insondável que me cerca.

Enlouqueci?

(...)

17 de jul. de 2008

Segurança pública ou estado de natureza?

Moro a uma quadra do palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Na esquina existe uma delegacia da BM em operação. Na manhã de ontem, pelas 10 horas da manhã, dois cidadãos resolveram assaltar um PM em frente à delegacia. Provavelmente o primeiro grande feito contra a criminalidade praticado por essa delegacia esse ano foi prendê-los. Desconfio, contudo, que se o assalto tivesse sido a dois passos da frente da delegacia, nada teria acontecido.

Meses atrás meu carro foi arrombado. Fui dar queixa a um brigadiano, que fazia a ronda na rua. Ao lhe informar o horário aproximado do arrombamento, ele retrucou rispidamente: - Não pode ser, pois é o horário do meu turmo! E me mandou procurar a PC para fazer a queixa!

A meia quadra da delegacia meu carro foi arrombado e, dessa vez, levado. Felizmente (?) reencontrado, mas com os quatro pneus novos trocados por quatro pneus carecas. Nova conversa com brigadianos e um conselho: é melhor arranjar uma garagem...

O maior problema nessas situações é o fator cultural, pois não advogo que o Estado deva ser responsabilizado pelo desrespeito à vida e ao patrimônio que permeia nossa sociedade, embora defenda que o Estado deve coibir excessos praticados por outros cidadãos que se julgam no direito de roubar, assaltar e arrombar. Não creio que a pobreza explique esse comportamento não-cooperativo e, certamente, não deveria justificá-lo.

15 de jul. de 2008

A arte retórica e a subordinação à política

Em investigação sobre os motivos que levaram Aristóteles a escrever a sua Arte Retórica, Carnes Lord aponta a subordinação da arte retórica à arte política, considerando a primeira como meramente instrumental. Nesse aspecto há grande convergência entre o pensamento de Platão e de Aristóteles. O artigo provém dos alfarrábios aristotélicos-eletrônicos de Monsieur Zilligê

Na conclusão, Lord escreve:


"A intenção última da 'Retórica' é, então, não tanto transformar a prática da retórica quanto transformar o entendimento teórico e conceitual da retórica pelo homem político. Aristóteles está preocupado sobretudo em mostrar que a retórica pode se tornar um instrumento da prudência política ou da ciência política que educa para a prudência. De fato, a arte da retórica de Aristóteles pode permitir-se incorporar elementos sofísticos moralmente questionáveis precisamente porque é finalmente ao serviço da ciência política que se encontra a preocupação central referente à educação do homem político, tanto na virtude moral, quanto naquela variedade da prudência que é inseparável da virtude moral. Neste aspecto fundamental, Aristóteles permanece, eu acredito, um autêntico intérprete da visão de Platão acerca da natureza da retórica. Pois a diferença fundamental entre a concepção sofística e a filosófica trata, não tanto da moralidade da retórica, quanto da exigência da retórica com status de uma arte autônoma ou de uma ciência. Se Platão e Aristóteles discordam acerca do caráter da ciência política à qual a retórica deve ser estar subordinada, eles possuem um acordo fundamental no tocante à necessidade de tal subordinação".

The Intention of Aristotle's 'Rhetoric'. p. 338-9. Minha (livre) tradução

14 de jul. de 2008

A "safra do milagre": o melhor conjunto de investimentos possível?

Época de férias e estou aproveitando para organizar pastas e arquivos, guardando ou colocando no lixo os restos mortais de 20081. Entre a papelada da economia, encontrei uma resenha que fiz sobre o IIº Plano Nacional de Desenvolvimento (IIºPND), o mais controvertido dos planos econômicos realizados pela ditadura militar que governou o Brasil a partir de 64. Para não engavetar e nunca mais ler o trabalho, publico a sua apresentação neste post .

Essa resenha apresenta e discute a interpretação proposta por Antonio Barros de Castro (ABC) sobre o acerto da “estratégia de 74” para a política econômica adotada pelo governo brasileiro como resposta à crise internacional de 1974. A análise da estratégia de 74 é realizado na segunda seção do primeiro artigo “Ajustamento X Transformação. A economia brasileira de 1974 a 1984”. Utilizei como fonte de material para essa resenha não apenas a seção citada, como também todo o primeiro artigo e a apresentação do livro, onde o autor apresenta as suas principais idéias acerca do desenvolvimento econômico do Brasil no período compreendido entre 1974 e 1984.

Segundo o autor, a tese central que anima seu livro é de que, em resposta à essa crise internacional, a economia brasileira foi levada a ingressar num período de “marcha forçada”. Essa marcha forçada foi decidida quando da adoção da “estratégia de 74”, podendo ser observada mediante dois fatos empíricos importantes:

1) a sustentação das taxas de investimento excepcionalmente elevadas no período de aplicação do II PND;

2) e os resultados que essa marcha forçada tiveram para o Balanço de Pagamentos (BP), em especial para a melhora da posição corrente líquida no período recessivo imediatamente subseqüente (1981-84).

A interpretação do segundo fato empírico é construída, inicialmente, por refutação da posição considerada “neoliberal” pelo autor, que defendia a interpretação de que a melhoria do BP devia-se à adoção de uma política de austeridade fiscal e monetária por parte do governo. Segundo ABC, a melhora expressiva do BP deve-se ao papel decisivo do Estado na construção do parque industrial brasileiro, cuja realização alterou substancialmente a pauta do BP, seja em produtos, seja em quantidades, especialmente a partir dos anos 80. Ainda segundo o autor, as políticas propostas pelo FMI (especialmente austeridade fiscal) no período deveriam ser repudiadas, devendo ser enfatizado o crescimento econômico (via saldo comercial) realizado com planejamento público e o gasto social. Desse modo, ganha especial destaque para sustentar a tese do autor a “estratégia de 74”, como estratégia econômica dotada de racionalidade frente a um ambiente de grande incerteza internacional.

ABC defende a tese de que o conjunto de medidas econômicas realizadas pelo governo militar foi acertado, pois permitiu ao país construir, mediante pesada intervenção estatal, um parque industrial completo, podendo finalizar um conjunto articulado de ações no Departamento1 (D1) da economia (conforme classificação dos departamentos de Kalecki, ainda que não adotada explicitamente pelo autor). Contudo, reconhece o autor, as políticas públicas na área social foram sobejamente insuficientes, resultando num imenso passivo social. Esse descompasso entre a política industrial exitosa adotada pelo governo militar e a política social rasa e ineficiente não devem entretanto ocultar os méritos da primeira. Segundo as palavras do autor: “Seria um grave erro avaliar o potencial das forças produtivas que aí estão pelo lamentável quadro econômico-social em que elas vieram a emergir.”(CASTRO, 1985 p.9)”

Ainda que essas idéias sejam apresentadas a título de quadro geral onde será discutido o objetivo central dessa resenha, a saber, o acerto da estratégia econômica de 74, não é possível deixar de observar a tensão existente no pensamento do autor entre crescimento econômico, realizado principalmente no setor de bens de capital mediante planejamento e investimento estatal, com o “gasto social”, que certamente significa aumento de gastos em previdência, saúde e educação. Ao afirmar que a política econômica seguida a partir de 74 foi acertada, pois despertou o imenso potencial produtivo da indústria brasileira, e que essa mesma política pode ser julgada por seus méritos próprios, a despeito do fracasso estatal em distribuir renda e promover a melhoria social, o autor explicita a própria contradição que os intelectuais nutrem com o regime militar que conduziu o país de 64 a 84. Por um lado, ABC reconhece o acerto da estratégia adotada em 74, por outro assume que a política social não está correlacionada com a política industrial, na medida em que a avaliação de uma independe dos resultados da outra.

Seja como for, aumentar o gasto com investimento estatal significa ceteris paribus diminuir o gasto estatal com as áreas ditas “sociais”. A menos, é claro, que contemos ou eternamente com poupança externa ou que haja espaço para uma significativa elevação da carga tributária ou que haja ganhos cada vez mais elevados com o imposto inflacionário. De fato, o calote da dívida, a elevação significativa da carga tributária e o aumento descontrolado da inflação foram fatos econômicos marcantes da década de 80, também conhecida como “década perdida”. Desse modo, o aumento do gasto social também deve contar como uma variável importante para mensurar o êxito da “estratégia de 74”, que, por essa ótica, também deve ser avaliada pelas ações que deixou de realizar.

13 de jul. de 2008

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Férias: época de planejamento 3

A segunda parte do curso de Filosofia do Direito trata, inicialmente, do estudo das teorias que afirmavam o poder Estatal, assumidas no período da Idade Moderna e, posteriormente, nas teorias que visavam limitar esse poder.

O problema fundamental do Estado Moderno é o problema da limitação do poder do soberano. Essa afirmação feita por Norberto Bobbio é o fio condutor do curso. O objetivo é apresentar o desdobramento sistemático das teorias que visavam:

1) afirmar o poder do soberano, dando origem ao estado absoluto;
2) limitar o poder do soberano, dando origem ao estado constitucional moderno.

Entre as teorias que afirmavam o poder do soberano como absoluto, encontramos em Hobbes a sua apresentação mais rigorosa. Já a expressão mais radical do estado absoluto é a de Maquiavel, na qual considera que, em nome das "razões de Estado", o soberano pode agir de um modo que as pessoais normais não poderiam. No estado de Maquiavel o soberano está acima de todas as leis, inclusive das morais e religiosas.

As principais correntes que viam no abuso do poder pelo soberano o problema fundamental do estado constitucional moderno são:

1) As teorias dos direitos naturais, ou do jusnaturalismo. O poder do soberano não pode se sobrepor aos direitos naturais que todos os homens possuem, em especial, o direito à segurança. Desse modo cabe ao soberano não só não ameaçar os seus súditos, como lhes garantir proteção e segurança.

2) As teorias da divisão dos poderes. Segundo a visão de Montesquieu o poder do soberano deve ser quebrado conforme as funções estatais, de modo que nenhum homem sozinho possa usufruir de todas as prerrogativas. A cada função estatal: legislar, executar e julgar; cabe um poder autônomo e independente: legislativo, executivo e judiciário.

3) As teorias da democracia. (ou da representação política) Consideram que o governante não é um soberano, no sentido de possuir autonomia sobre a vontade geral, mas um representante escolhido e eleito pelo povo e, portanto, subordinado à vontade popular.

4) A teoria de Kant. A liberdade de consciência, por sua vez, é outra maneira de limitar o poder do soberano, uma vez que o direito não pode determinar o que julgamos ser justo ou injusto nem o que julgamos ser certo ou errado. Uma vez que a vontade do soberano pode ser injusta, o súbito não deve ter a sua consciência obrigada por tal imposição. Kant distingue a legalidade da moralidade, argumentando que a forma da obrigação de cada uma delas é diferentes. A moralidade tem origem na liberdade interna, isto é, na liberdade que provém da obrigação de respeitar a lei moral. O homem, ao seguir a lei moral, que lhe obriga a consciência, age de maneira autônoma. O direito, por sua vez, pode obrigar o homem apenas externamente, pois a origem da obrigação encontra-se no arbítrio das diferentes liberdades, que constituem a sociedade civil.

11 de jul. de 2008

Férias: época de planejamento 2

A disciplina de Filosofia do Direito atualmente é dividida em duas partes:
Eis a primeira:
Filosofia antiga: o fio condutor é a distinção entre filosofia e retórica, buscando situar a democracia neste debate. Sócrates e Platão acusam a democracia de determinar a verdade "contando conchas". Nada mais maléfico ao espírito e injusto, cujo exemplo mais dramático é o julgamento e morte de Sócrates. Os inimigos da razão são os sofistas, professores de retórica, mestres na arte do engodo e da enganação. A retórica permite ao desonesto convencer sua audiência que 2+2=5, em nome do auto-interesse. Como resposta a esse estado de coisas que leva à deterioração moral do indivíduo e, por conseqüência, da cidade, Platão propõe na República, com o perdão da expressão avant la lettre "fechar o Congresso", criando em seu lugar uma sociedade dividida em classes, com o filósofo, como o detentor da razão e conhecedor das verdades imutáveis, como governante.
Aristóteles entra no debate argumentando que o homem é um animal político, o que é dizer que sua posição é frontalmente anti-platônica e a discordância é uma discordância de fundo, da natureza das coisas. Sendo o homem um animal político não cabe à filosofia negar esse fato fundamental da existência humana, apenas reconhecê-lo. Antes de avançar na análise, convém perceber a diferença no contexto histórico no qual o debate ocorreu. Quando Platão escutava as conversas de Sócrates no mercado, Atenas era uma pequena, ainda que cosmopolita e influente cidade-estado. Quando Aristóteles escreve, o seu pupilo é imperador de uma vasta área que abrange incontáveis culturas e línguas. É verdade que a arte retórica serve para o engodo, para que o desonesto com recursos escape da punição - nisso Aristóteles (por motivos que veremos a seguir) concorda com Platão. Contudo, este se engana ao supor que toda a política é praticada nesses termos. Existe um espaço legítimo para o exercício da arte retórica, cuja orquestração de um imenso império multi-étnico era a prova mais cabal e evidente. A solução não deve ser, portanto, banir a retórica e a divergência e, com isso isso, o debate público da sociedade humana. Não se deve pressupor, num mundo contingente e incerto, que uma única classe detenha a verdade sobre os assuntos dos homens - verdades eternas e imutáveis. Reconhecendo um espaço legítimo para a arte retórica, isto é, para o exercício da política, Aristóteles trata antes de buscar qualificar o debate público do que bani-lo. Essa empresa é realizada nos seus livros de lógica - ainda que lá existam outros debates relacionados à argumentação científica e em sua Arte Retórica. A solução proposta por Aristóteles consiste em identificar o contexto onde ocorre o discurso, buscando analisar as diversas formas de argumentação, em especial as condições que tornam um argumento um bom argumento e os vícios de raciocínios, falácias, que tornam um argumento um mau argumento.
Portanto, a tarefa da filosofia proposta na solução de Aristóteles é qualificar o debate público mediante a construção de bons argumentos e a detecção de falácias nos maus argumentos.

Férias: época de planejamento 1

Tenho aproveitado o início de minhas primeiras férias completas em seis anos para fazer planejamento. Estou revisando os planos de aula das disciplinas de Lógica e Metodologia e de Filosofia do Direito, procurando, além de estabelecer nexos sistemáticos entre as duas, aprofundar e delimitar melhor os temas.

O objetivo da revisão da disciplina de Lógica é explicitar e aprofundar a noção elementar de argumento. Para tanto, tenho me servido de farto material oriundo do Fonseqa, seja material de aulas passadas, seja bibliografia de apoio. Para quem se interessa por lógica e argumentação, recomendo o Lógica Informal de Walton (que tenho usado em aula fazem mais de dois anos) e, a dica do Fonseqa que estou lendo no momento, Understanding Arguments - An Introduction to Informal Logic de Fogelin e Sinnot-Armstrong. Esses dois livros não apenas analisam de forma técnica argumentos (validade, verdade, solidez), como tratam do assunto mais vasto e interessante da linguagem. Confesso que nunca me interessei muito pela filosofia analítica. Mas os livros acima citados usam, com fartas indicações bibliográficas no caso do Fogelin e Armstrong, as ferramentas dessa corrente importante da filosofia contemporânea, mostrando a relevância e importância de analisar a linguagem e suas implicações para a troca saudável de idéias e a qualificação do debate público.

12 de jun. de 2008

Argumentos ad baculum (apelo à força)

Argumentos ad baculum tentam estabelecer uma conclusão através de ameaça ou intimidação.

Exemplo:


Se X fizer protestos em frente ao Palácio contra a corrupção, B baterá em X.

Logo, X não deve protestar em frente ao Palácio contra a corrupção


Solução:

A premissa é irrelevante para justificar a conclusão. Coação, ameaças e intimidação podem ser persuasivas em alguns casos, mas não têm lugar numa apreciação racional. Note que não faz diferença como X responderá a essa ameaça; o fato dele recusar não altera esse tipo de ‘raciocínio’, que é inaceitável logicamente.

Concursite 2

Em linhas gerais, concordo com o argumento de Raul Haidar abaixo. Mas acrescento que a concursite também pode ser um forte fator de corrupção, na medida em que contribui para a percepção generalizada dentro das diversas esferas de governo que o funcionamento da máquina pública é injusto.

Um dos maiores problemas que existe, a meu ver, nos atuais escândalos de corrupção é que os tomadores de decisão podem ser arrivistas, isto é, pessoas completamente despreparadas para o exercício das funções que lhe são atribuídas. Reza a lenda que certo secretário de governo, cujo nome a história já apagou, nomeou um porteiro de puteiro para direção de departamento de importante secretaria de Estado. Situações como essa, que correm na boca pequena pelos corredores da administração pública e acabam virando piada, ilustram bem o problema dos chefes idiotas (que vivem lado a lado com os chefes corruptos - a outra face do problema). Concordo que existem inúmeros outros setores onde os critérios são mais sérios, mas o ponto eu gostaria de fazer é outro. O funcionário de carreira, obrigado a conviver com uma situação dessas, sente o mais humilhante sentimento de injustiça face ela, e no correr do tempo cria a convicção de que "o esforço não vale para nada".

Não vejo na mídia a pergunta pelos critérios de seleção dos gestores públicos. A não ser naquelas circunstâncias óbvias. Os critérios de seleção devem ser mais transparentes e não devem depender apenas da vontade dos governantes, uma vez que eles são apenas representantes e não soberanos. Por outro lado, não creio que seja possível banir a indicação política dos cargos. Afinal a disputa política é legítima e o governante deve ter o direito de poder implementar a sua proposta de governo. Dessa maneira, não é possível instaurar um governo totalmente meritocrático, a la República de Platão, mas creio que é possível instaurar critérios mais rígidos de nomeação dos altos escalões. Por exemplo, exigir que sejam funcionários da própria instituição ou exigir formação corresponde aos cargos que ocupam (diploma na área) ou democratizar as tomadas de decisão, por meio de conselhos de administração representativos e com autoridade, no qual o representante político detém apenas parte do poder de decisão.

É verdade que existem planos de cargos e salários para diversas categorias de servidores, inclusive com premiações periódicas por mérito, que geralmente premiam a todos de igual maneira. O desafio parece ser, portanto, de criar condições para que o mérito seja, de fato, concedido àqueles que trabalham seriamente dentro das administrações públicas e para que as propostas e os interesses políticos encontrem respaldo naquilo que for republicano. Os partidos políticos, certamente, possuem o direito e a prerrogativa de utilizar o Estado para implementar suas propostas de governo e a sociedade civil tem o direito de exigir que os partidos políticos não se apropriem indevidamente dos recursos públicos.

Concursite

Marciotex mandou texto que diagnostica na concursite um dos piores males que assolam o país: a falta de sonhos da juventude, que enxerga nos concursos públicos a única resposta para a premente questão: o que devo fazer da minha vida? O sonho é a aposentadoria...

(...) "O discurso desses desafortunados pacientes é sempre o mesmo: quer ser funcionário público por causa da segurança, de bons salários, da aposentaria, das férias, ou mesmo da ridícula idéia de serem "autoridade" ou mesmo tratados de "excelência". Isso tudo é muito triste.

Segurança é a mais ilusória de todas as ilusões humanas. No mundo atual segurança não existe. Que o digam os moradores dessa fortalezas medonhas chamadas "condomínios fechados" quando sofrem arrastões praticados pelos moradores da favela vizinha. Ou aquele sujeito que andava armado e foi baleado com a própria arma. Segurança de receber salário todo mês? Pode ser. Mas isso será que vale mais que os sonhos? Paga as esperanças? Compensa o abandono dos ideais?

A aposentadoria mais cedo ou mais tarde vai mudar para pior. Nenhum país pode suportar aposentadorias precoces, de pessoas que no dia seguinte já estão trabalhando e muitas vezes no próprio serviço público. Em qualquer país que pretenda desenvolver-se, em breve só poderá haver aposentadoria por idade (no mínimo 75 anos) ou por absoluta invalidez.

Férias, tudo bem. Mas no limite razoável de 30 dias por ano. Muito embora existam pessoas que não deveriam ter férias, pois não trabalham, apenas enganam. Chegam sempre tarde, saem mais cedo. Ainda bem que são raríssimos esses casos.

O pior mesmo no serviço público é o concursado ter um chefe idiota, o que, aliás, é muito comum.

Quando o idiota é eleito pelo povo, tudo bem. Afinal, o povo quase sempre merece quem elege.

Mas há funcionários concursados de bom nível, sérios, dedicados, cujos chefes são meros apadrinhados políticos, sem competência ou sem apetência para o trabalho.

Conheço uma brilhante advogada que prestou concurso e tem como chefe uma pessoa que não serve nem para carregar a pasta de sua subordinada. O único talento do chefe e razão de sua nomeação é estar filiado ao partido que está no poder e ser um puxa-saco de carteirinha." (...)

Extraído de A morte dos sonhos. Concursite, doença que ataca os jovens, faz mal ao Brasil, por Raul Haidar

11 de jun. de 2008

Aprender praticando

Abaixo, pequeno pedaço da entrevista concedida por Barry Stroud sobre a tese, com a qual tendo a concordar cada vez mais, de que a filosofia é uma arte, devendo ser exercitada para ser aprimorada, aplicada às fronteiras daquilo que é humano. O link devo ao meu sempre bem informado amigo Renato.

"I think of philosophy as a difficult intellectual endeavour. You have to learn how to do it, and it takes a lot of practice. Only those who know how to do it are really engaged in philosophy. It is possible to do serious philosophy outside an academic institution (many of the great philosophers of the past did it)."

10 de jun. de 2008

Argumentos do tipo interesse revestido

Incentivado por amigos da lógica e do debate racional, segue abaixo mais uma falácia proferida por ex-altíssimo escalão do atual gobierno.


Argumentos do tipo interesse revestido:

Tentam refutar uma afirmação argüindo que seu proponente deseja obter alguma coisa (ou impedir a perda de algo). A dedução é que o proponente da afirmação deveria sustentar uma opinião diferente e, portanto, deveríamos desprezar o seu argumento.



Premissa 1: X denuncia que há irregularidades administrativas referentes ao financiamento de campanhas eleitorais em grande e importante banco estatal.



Premissa 2: Y afirma que X é golpista, uma vez que a averiguação das denúncias favorecerá X diretamente.



Conclusão: Logo, não há irregularidades administrativas referentes ao financiamento de campanhas eleitorais em grande e importante banco estatal.

9 de jun. de 2008

Argumentos do tipo ad hominem ofensivo

Argumentos do tipo Ad hominem tentam refutar uma afirmação ou proposta atacando seu proponente e não fornecem um exame ponderado da afirmação em questão. ‘Ad hominem’ significa “contra a pessoa”.
Argumentos do tipo
ad hominem ofensivo são uma espécie de ad hominem onde se ataca uma pessoa, geralmente de forma depreciativa, por uma peculiaridade sua. Seja idade, caráter, família, sexo, moral, posição social ou econômica, personalidade, aparência, roupa, comportamento profissional ou político, ou filiação religiosa. A dedução é que não há motivo para aceitar seriamente as opiniões da pessoa. Por exemplo: fulano é mau caráter. Logo, não devemos aceitar o que ele está dizendo.
Infelizmente o noticiário político estadual dos últimos dias está repleto de argumentos falaciosos, que não são amigos da lógica nem da argumentação racional. Na última briga intestina entre membros do primeiro escalão do governo Ieda, de repercussões políticas ainda incertas, mas graves, foi transmitido ao vivo, mais uma falácia ad hominem ofensivo, que fornece a base para a estratégia de defesa de uma ala do governo gaúcho contra outra.

X reclama que está sofrendo assédio moral devido às irregularidades que estão sendo cometidas por parte da gestão estadual, da qual faz parte.

Adicionalmente, X afirma que, como autoridade pública, não pode se omitir frente provas de irregularidades em órgãos públicos, pois isso seria crime de responsabilidade

Como prova da afirmação de X, há uma cópia de uma conversa gravada entre X e Y, onde Y confessa esquemas de irregularidades em órgãos públicos com objetivo de financiar campanhas eleitorais (inclusive do atual governo)

Y admite a existência de irregularidades em órgãos públicos, realizadas para financiar o atual governo

Y não sabia que estava sendo gravado por X, logo X é mau caráter.

Conclusão: não devemos acreditar que X sofreu assédio moral nem que há irregularidades desse governo não investigadas.


8 de jun. de 2008

COMEMORAÇÃO

Em comemoração aos últimos acontecimentos relativos à corrupção no Estado, a governadora Ieda Crusius e o ex-chefe da Casa Civil, Cézar Busatto, tomaram champanha!!! Quem duvida, leia a íntegra da entrevista na página da Zero Hora:

Reproduzo a pérola abaixo:

"Foi um encontro para fazer um balanço desse período todo, e eu vim comunicar que vou me apresentar à CPI para fazer um depoimento na segunda-feira. A governadora concordou e ficou satisfeita, achou muito boa a minha iniciativa. Isso aí. Nós tomamos champanha para comemorar."

6 de jun. de 2008

É preciso fazer alguma coisa

Tirei de um comentário do RS Urgente:

Gente, DIA 13 SEXTA-FEIRA, vai haver ato público defronte o PPiratini (repassem). COMPAREÇAM. Levem quantas pessoas puderem, quanto mais melhor. Levem também apitos, cornetas, tambores, panelas tudo que faça barulho. Não podemos nos calar.. Chega de nos roubarem e ainda menosprezar a nossa inteligência, com desculpas esfarrapadas!
Maria Rodrigues