
Uma pausa no novo jeito de governar, afinal de contas, ninguém é de ferro.
Adoro uma explicação.

A comunidade acadêmica da filosofia está em alvoroço com os concursos que têm ocorrido na área. São várias vagas, em inúmeras universidades. Entre as novidades, é possível perceber um nítido aumento e amadurecimento da filosofia acadêmica. A grande maioria dos editais exige doutorado concluído e, mesmo assim, a concorrência é grande e a disputa é acirrada. 
O post de Pedro Doria sobre as próximas eleições no Irã avança muito além das tradicionais e bizarras caricaturas de aiatolás, mostrando as opções políticas de um país interessante e complexo, tal qual o Brasil. Lá pelas tantas ele cita o professor Abbas Milani, provavelmente o maior especialista no país que vive no exterior, que classifica o governo iraniano pós-revolucionário como “uma ‘democracia de apartheid’. Quer dizer: a democracia não é para todos e há muitos excluídos. Mas, dentre aqueles poucos que têm acesso, a disputa por poder é real.” Depois desse comentário, ele passa a narrar as diferenças políticas entre os candidatos. Mohammad Khatami, pró-reformas e preferido do Ocidente e Mahmoud Ahmadinejad, conservador e preferido pelo conselho de anciões e pelo aiatolá Ali Khamenei. Mas eu parei no apartheid político... reli, e pensei: e o Brasil?
1) Podemos dizer que a democracia é para todos?
2) Podemos dizer que entre aqueles poucos que têm acesso, a disputa por poder é real?
Podemos dizer que a democracia é para todos? De um ponto de vista puramente formal, podemos dizer que sim, em tese todos são obrigados a votar e, de fato, não houve em tempos recentes maiores distúrbios durante os processos eleitorais. Os mais ufanistas gostam de citar o rumoroso caso da eleição de Bush para o segundo mandato - com votação fraudada, para mostrar que a democracia brasileira já superou esses problemas. De fato, essa é uma vitória formal de nossa democracia. Mas não basta olhar apenas para sua parte formal ou espectral, é importante entender seu conteúdo. Aí as coisas ficam mais complicadas.
Fiquemos somente com o poder do povo: o poder legislativo, verdadeiro pulmão de qualquer democracia; no Brasil, distribuído em duas casas legislativas, Câmara Federal e Senado.
Os representantes do Senado são tipicamente representantes das oligarquias estaduais, casa responsável por nosso federalismo e, segundo alguns, desnecessária. São três senadores por estado da federação, não importando seu tamanho, nem sua população, nem sua economia. O que está em jogo nessa casa são os "interesses dos estados". Nessa casa, o Amapá com 384.825 eleitores elege três senadores, o mesmo número que democraticamente São Paulo também elege, com 29.143.392 eleitores ou Rio Grande do Sul, com 7.925.459 eleitores.
Os representantes da Câmara, em tese, deveriam representar proporcionalmente a população brasileira, mas na prática há enormes distorções. São Paulo elege o número máximo de 70 deputados federais, cada um representando 586 mil habitantes. Já o Amapá elege o número mínimo de 8 deputados, cada um representando cerca de 48.000 eleitores. Isto é, menos do que um décimo da representação por habitante de São Paulo! São 11 estados na mesma situação do Amapá numa federação com 26 estados!
Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul, com maior população, detém também maior parte da produção industrial e a esmagadora oferta de serviços, especialmente do terciário superior, gerando a maior parte da riqueza e do desenvolvimento social, mas são politicamente nanicos no atual sistema político brasileiro. Assim, paradoxalmente, graças aos milagres da matemática, o peso político dos interesses urbanos é muito menor do que deveria ser, havendo nitidamente um descompasso entre a representação política e os interesses sociais e econômicos e um verdadeiro apartheid entre os interesses do Brasil urbano e a sua representação política.
As grandes tensões sociais em números absolutos localizam-se nas áreas urbanas. Talvez seja por isso que problemas prementes sejam postergados ad infinitum. o problema das favelas, cruel, urgente, não tem, do ponto de vista político, o peso que tem do ponto de vista social, já que se concentra nos grandes e sub representados politicamente centros urbanos.
Um argumento muito usado pelos defensores do atual sistema é o medo de que os estados pequenos sejam esquecidos em suas demandas, frente aos estados maiores e mais fortes. - que haja "quebra do pacto federativo". Contudo, eles já são atualmente esquecidos por suas oligarquias, como o Maranhão, com péssimos indicadores sociais, governado pela família Sarney há décadas. Que a presidência do Senado Federal esteja sendo exercida, pela segunda vez, por um senador do Amapá é um acinte à democracia brasileira e uma aberração social, posto o que esse senhor representa para os interesses do Brasil moderno, urbano e industrial.
Chegamos, desse modo, pelo exemplo histórico, à resposta da primeira pergunta: não, a democracia brasileira tem seus pulmões doentes. O nosso atual sistema de representação legislativa impede uma democracia para todos. Ainda que, do ponto de vista formal, todo o teatro seja solenemente executado: vários candidatos, filas nos locais de votação, renovação do executivo e do legislativo etc. o controle das decisões de Estado tem grande autonomia e independência frente à sociedade e às “escolhas democráticas” - a tal da "vontade popular". Com a matemática milagrosa do sistema eleitoral brasileiro, bastiões do coronealismo hipertrofiados de poder, os verdadeiros donos do poder, ainda detém parcelas fundamentais do Estado brasileiro.
Os "novos" presidentes da Câmara e do Senado são representantes ilustres do alto clero - em oposição ao baixo clero (esses só possuem castelos...). O alto clero outorga a si as decisões importantes, aquelas chamadas pomposamente de decisões de estado. Para manter a analogia com o início do post, tal qual os aiatolás exercem essa função no Irã. O clubinho é fechado e entrar nele exige fazer milagres - dente os mais notáveis, a posse de canais de TV e o enriquecimento extraordinário.
Existe disputa de poder real nesse sistema de representação política? A cooptação e a capacidade de conciliar interesses faz com que, numa perspectiva histórica mais ampla, a resposta seja não, e que as grandes mudanças do curto prazo apareçam apenas como leves acomodações. È o tal do afidalgamento a que se refere Faoro. Quando o cara chega no poder ou perto dele, fica igual a quem o possui. Assim, as antigas oligarquias sobrevivem eleição após eleição, executivo após executivo, incólumes, trazendo para o Brasil uma impressionante e perversa estabilidade institucional. Formando um verdadeiro e nefasto conselho de anciões. Se houvesse disputa real entre os dois brasis, o moderno e o arcaico, a aliança Lula-Sarney ou ACM-FHC jamais poderia ter existido... Claro está que nessas alianças o grande excluído é o eleitor, que, como eu, morador de uma grande cidade, não quer o chefe do clã na presidência do Senado, nem seus afiliados espraiados eternamente pelos ministérios da esplanada.
Como poderemos nos libertar desse apartheid político que tolhe acintiosamente a representação política de seus moradores urbanos e descomprometidos com as oligarquais - paradoxalmente para uma democracia - a grande maioria dos brasileiros?
“Máximas” - este é um conceito-chave da filosofia moral de Kant. As razões para essa função-chave são manifestamente: a qualidade moral de uma ação depende da qualidade da Máxima que a fundamenta – essa a tese kantiana. Trata-se, conforme Kant, na avaliação moral de uma ação, não de suas conseqüências reais ou de uma ação como acontecimento observável em uma determinada localização espaço-temporal, mas sim do caráter a partir do qual uma pessoa praticou a ação. Isso tudo não é discutido. Contudo é notoriamente obscuro o que exatamente é compreendido por “Máximas” e como as “Máximas” podem ser inseridas em uma psicologia moral plausível.
Pelo termo “Caráter” nós pensamos primeiramente na intenção a partir da qual uma ação é assumida. A qualidade moral de uma ação torna-se dependente da intenção que lhe fundamenta, o que nos é inteiramente sabido. Se Lars pisar no pé de Lise e Lise se queixar com as palavras “Lars pisou no meu pé; ele não o fez acidentalmente, mas sim com intenção”, então ela se queixa menos da dor sentida do que da má intenção moral de Lars. Intenções são estados de espírito bem determinados de uma pessoa, estados do querer de uma determinada ação. A intenção de Lars, que está implícita em relação a Lise, é a intenção de, num determinado momento, lhe pisar no pé e, com isso, lhe machucar. Mas nós não devemos entender máximas simplesmente como intenções. Máximas não são, segundo Kant, estados de espírito singulares determinados, espaço-temporalmente localizados de uma pessoa, que quer realizar uma determinada ação, mas sim fundamentos práticos subjetivos, “sob as quais repousam diversas regras práticas” (KpV, §1, Cf. Erklärung). Como fundamentos, as máximas são princípios gerais. E é essa universalidade das máximas, sobre a qual repousa especialmente o interesse de Kant, pois, conforme a regra moral kantiana, só é moralmente boa a ação que uma pessoa pratica, cuja vontade é determinada por uma máxima, da qual essa pessoa possa querer que ela “deva se tornar uma lei universal da natureza” (GMS, AAIV, 421). Testar uma ação a partir de sua qualidade moral significa testá-la conforme essa formulação, se se poderia querer que as máximas que lhe servem de base devem se tornar uma lei universal da natureza, ou seja, se, sobretudo, for possível fazer dessa máxima uma lei da natureza.
(...)
Abaixo, palhinha da entrevista de Divaldo Resende, da Cantor CO2e à Gazeta Mercantil sobre o promissor mercado de créditos de carbono. É incrível pensar que lugares como o da foto ao lado possam gerar riqueza. Num país como o nosso, as potencialidades são imensas:
Requento um pedaço modificado de um post sobre o que julgo ser a verdadeira causa da violência em Paraisópolis, a favela. É incrível que depois de anos de governos de "esquerda" o problema das favelas continue, no seu grosso, intocado. Não haverá justiça social nem crescimento econômico sustentável enquanto milhões de brasileiros viverem em condições indignas de moradia, sem saneamento, transporte, saúde e educação adequadas. A proximidade com os ricaços só aumenta a revolta e escancara a injustiça. Imaginem-se morando num barraco sem luz e sem banheiro, mas com vista para o espigão que tem uma piscina por andar... Nesses casos, a polícia faz o triste papel de capitão do mato, resolvendo na porrada o que é direito constitucional.
Aproveitando o ensejo dos dois últimos post, requento um de 28 de setembro de 2006 do meu spaces , sobre o livro Modernism as a Philosophical Problem. Abaixo, divulgação do Prêmio de ensaios promovido pela prestigiada Philosophical Quartely. O prazo das inscrições é primeiro de novembro e o tema é autonomia. Não creio que esses prêmios revelem novos filósofos, tal como campeonatos de categorias de base revelam novos craques no futebol. Só para ficar nos mais ilustres, Rousseau e Schopenhauer tiveram seus ensaios, respectivamente no ensaio Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e ensaio Sobre os fundamentos da moral, rejeitados. No caso do segundo, em sua justificativa da rejeição do único trabalho escrito, a academia de Copenhagem expressamente declarou que nem acabara de lê-lo... Enfim, é verdade que os tempos são outros e o tema interessante. Quem sabe aparece uma surpresa brasileira, já que temos vários kantianos ilustres, em várias categorias, por aqui.
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Moral Autonomy
In the Groundwork of the Metaphysics of Morals of 1785, Immanuel Kant first introduced the philosophical public to the notion of moral autonomy. The common conception of morality as unconditionally binding is possible only if the human will is construed as subjecting itself to a formal, universal law of reason. This ‘Kantian paradox’ of a necessary law that we freely impose upon ourselves has provoked and inspired philosophers ever since. For Kant, autonomy is also the ground of the special status of human beings, their dignity. In more recent times, notions of autonomy and self-determination have played an important role in more applied fields in ethical and legal theory.
Essays are invited that consider any aspect of moral autonomy or its history.
The closing date for submissions is 1st November 2009.
For entry details, please visit:
http://www.st-andrews.ac.uk/%7Epq/essay09.htm.
A análise em profundidade e a centralidade da liberdade como problema filosófico é algo muito recente na história da filosofia. O conceito de liberdade, embora antigo, começa a ser tematizado com radicalidade apenas em meados do século XVII. O que me interessa aqui é traçar o desenvolvimento da tradição liberal de Locke, Rousseau e Kant, que leva a uma abordagem da justiça como liberdade. Nesse post, um esboço da justiça como liberdade na visão de Amartya Sen.
Algumas vezes uma imagem vale mais do que mil palavras. Caso da foto de Tuca Vieira ao lado, respondendo à pergunta: o que aconteceu em Paraisópolis???
Publico abaixo mail que mandei ao Dadaseyn em resposta à um post do Rogério Severo sobre o fato curioso de que antigamente lidar com a pobreza era uma questão de benemerência e hoje é uma questão de justiça.Talvez a idéia de que ninguém deva ficar abaixo da linha da pobreza seja uma idéia moderna, pois, até onde eu sei, não havia sido desenvolvido o conceito de linha de pobreza ou outro conceito análogo em Atenas.
Agora, Platão trata com profundidade a questão na República, o livro em que trata sistematicamente da justiça. Lá, uma das condições fundamentais para uma sociedade justa é existência de uma classe de produtores, que fazem justiça ao fazerem o que sabem fazer melhor, produzir.
Bom, aproveitei e fui dar uma conferida no Górgias, onde o tema da justiça e da economia também são tratados e lá encontrei água para o moinho do Fleischacker. Veja a conclusão da argumentação de Sócrates contra Polo:
Sócrates — Logo, a economia livra da pobreza; a medicina, da doença; e o castigo, da intemperança e da injustiça.
Polo — Parece.
Sócrates — E de todas elas, qual será a mais bela?
Polo — A que te referes?
Sócrates — Economia, medicina, justiça.
Polo — Sem comparação, Sócrates, a justiça.
Podemos inferir dessa conclusão que economia e justiça são diferentes pois não havia, digamos assim, remédio normativo contra a pobreza (leis, projetos públicos, bolsas, etc). Ou seja, as condições materiais não estavam sob controle direto das instituições sociais. Algo bem diferente do que acontece em Rawls, onde se pressupõe que os bens sociais principais possam ser corretamente mensurados para poderem ser distribuídos.
Certamente a aproximação do problema da pobreza com o problema da justiça está associado com o desenvolvimento conceitual da economia e com o avanço das técnicas de mensuração da riqueza. A econometria, por exemplo, a grande ferramenta para formulação e execução de políticas econômicas é uma ciência bebê, com apenas 60 anos.É possível pensar nesse caso num argumento análogo ao utilizado por Hans Jonas no seu Princípio Responsabilidade, quando afirma que os conceitos éticos na Grécia Antiga tratavam apenas e exclusivamente de questões humanas. Com o aperfeiçoamento da técnica e o conseqüente domínio da natureza, o homem passa a ter um poder sobre a natureza que não tinha antes. Dessa feita, os conceitos éticos devem ser ampliados de modo que abarquem também a natureza. Não havia responsabilidade pelas nossas florestas porque não podíamos destruí-las. Agora que podemos, somos, ao contrário de quando não podíamos, moralmente responsáveis por elas.Do mesmo modo, antes a pobreza não era um problema moral (melhor colocado, um problema de justiça) porque não se podia fazer nada - a não ser caridade - para aplacá-la. Hoje, com o atual grau de desenvolvimento das forças produtivas é possível eliminar a pobreza: é algo que está ao nosso alcance fazer; portanto, eliminar a pobreza é sim, hoje, uma questão de justiça.
Sócrates é uma personagem ímpar na história da filosofia. Ao inventar novo método de investigação, cuja principal ferramenta é o discurso, não legou nada escrito à posteridade, muito embora seja pela tradição escrita, a partir dos diálogos de Platão, que a filosofia amadurecerá como arte da busca da verdade. As fontes que testemunharam as interpelações de Sócrates aos cidadãos de Atenas são poucas e nos fornecem somente quadro parcial do feioso e singularíssimo patrono da filosofia. Além de Platão, Xenofonte e Aristófanes nos deixaram registros do mestre.