26 de mar. de 2009

O direito de resistência

Norberto Bobbio em seu introdutório Direito e Estado no pensamento de I. Kant apresenta as diferentes teorias modernas sobre o direito de resistência do súdito em relação à vontade do governante:

- A vontade do governante é sempre justa, portanto o súdito não deve resistir: absolutismo (Hobbes);

- A vontade do governante pode ser injusta, mas o súdito não deve resistir (não me lembro do nome do tarado que defendia essa teoria);

- A vontade do governante pode ser injusta, o súdito pode resistir, mas deve se submeter à punição (Kant);

- A vontade do governante pode ser injusta, o súdito pode resistir, e o direito a resistência é negativo (restauração dos direitos) (Locke);

- A vontade do governante pode ser injusta, o súdito pode resistir, e o direito a resistência é positivo (Rousseau);

Como Bobbio é um liberal, falta uma das teorias que pregam o direito de resistência:

- A vontade do governante pode ser injusta, o súdito pode resistir, e o súdito pode derrubar o governante (Jacobinos, Bolcheviques etc;)

Escolha a teoria que mais lhe agrada para aplicá-la ao nosso momento atual! Se lhe apetecer, justifique.

Fantasmas por toda parte

I see dead people...
Talvez, assim como no filme, ela descubra que no final o fantasma era ela.



Via RS Urgente:

O uso da palavra e o exercício do poder

Desde que o mundo é mundo o uso da palavra está diretamente associado ao exercício do poder. Deter a palavra é deter o poder. João, o mais filosófico dos evangelistas, começa seu texto afirmando que no início era o verbo e (somente então)o verbo se fez carne... Com o advento das novas tecnologias, o amadurecimento da blogosfera e o papel cada vez mais importante que os blogs desempenham na apreciação crítica da realidade e da análise política brasileira, essa antiguíssima igualdade reaparece. Sentindo-se ameaçados pelo que antes era considerado distração de meia dúzia de desocupados, a grande imprensa - ferrenha defensora de SEU direito de expressão - volta-se contra a liberdade de expressão ao ter suas pautas e coberturas questionadas. O limite das críticas e da censura deve ser a opinião dos leitores (aliás, todos os blogs possuem seção de comentários), e não jornalistas pagos a mando dos clãs que controlam os meios de comunicação no Brasil. Para ilustrar a ameaça que paira no ambiente livre da blogosfera, segue notícia sobre o tema do RSUrgente.

(...) Com o crescimento da rede de sites e blogs que acompanham e comentam a cobertura diária da mídia, tem crescido também o número de processos contra os autores destes textos. O alvo mais recente desta alergia foi o jornalista Wladimir Ungaretti (foto), professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A Justiça determinou que Ungaretti retirasse do site Ponto de Vista todo conteúdo que pudesse ser considerado ofensivo ao repórter fotográfico Ronaldo Bernardi, do jornal Zero Hora. Na ação que moveu contra Ungaretti, Bernardi reclamou, entre outras coisas, de sua identificação pelo apelido de “Fotonaldo”. A Justiça acolheu em primeira instância o pedido do fotógrafo e Ungaretti resolveu suspender temporariamente as atividades do site que faz uma análise crítica diária do jornal Zero Hora.

Outro caso é o do blog Nova Corja, que após sofrer processos do jornalista Políbio Braga, agora sofre uma ação judicial do jornalista Felipe Vieira, da Rede Bandeirantes. Ele reclama de constrangimentos que estaria sofrendo por causa de posts publicados há quase um ano no blog. A queixa-crime, por injúria e difamação, é dirigida contra Rodrigo Oliveira Alvares, Leandro Demori, Walter Valdevino Oliveira Silva, Mário Camera e Jones Rossi.

Durante décadas, os profissionais da chamada grande imprensa trabalharam sem o tipo de acompanhamento crítico diário que ocorre hoje na internet. E sempre tiveram posição contrária à censura de seus trabalhos. Agora, aparentemente, jornalistas podem engrossar a onda daqueles que querem impor “limites mais rígidos à internet. A linguagem adotada pela maioria dos blogs e sites alternativos é irreverente por natureza. Pois agora, a irreverência e o sarcasmo estão sendo tipificados criminalmente.

...Fotonaldo, Fotonaldo, Fotonaldo...

24 de mar. de 2009

Fantasmas do Piratini

Esse veio da la vieja bruja. Fazia um tempo que eu não a visitava. Que seu sarcasmo continue inegociável!

Curioso relato

Essa veio do Diário Gauche. Nossa desgovernadora foi convidada para falar sobre Democracia pela Fundação Konrad Adenauer no hotel Sofitel, em Copacabana.


(...) Foi dado a ela o tempo de quinze germânicos minutos para falar sobre “A democracia do Brasil”.

A governadora dividiu seu tempo em três partes: na primeira, depois de desfraldar uma bandeira do Estado do Rio Grande do Sul, tratou de explicar aos presentes sobre o significado das expressões – Liberdade, Igualdade, Humanidade – que a ilustram; na segunda parte, dona Yeda comentou longa e minuciosamente sobre as cores da nossa bandeira estadual, e no terço final de sua oração, Sua Excelência discorreu sobre os fantasmas que habitam o Palácio Piratini e “que a impedem de trabalhar lá”, chegando a jurar que em hipótese alguma permanece no local depois das 18 horas. Encerrou a sua fala sem mencionar o vocábulo “democracia”.

Ninguém entendeu lhufas.

Moral da história: a concepção de democracia que ela defende pode ser vista e entendida ao olhar uma bandeira. Imaginem se Sócrates estivesse vivo e fazendo perguntas, a que conclusões ele chegaria sobre o conhecimento de nossa governadora sobre o que é uma democracia...

Argumentos persuasivos

Abaixo, pedaço de interessante e didático texto de Desidério Murcho sobre argumentos persuasivos, oriundo do portal de filosofia em língua portuguesa Critica na Rede. Tem uma aba interessantíssima lá sobre lógica, com vários textos de primeira. Vale uma visita!

Em conclusão, nem a validade nem a solidez dão conta, por si só, da argumentação persuasiva. A validade é um conceito exclusivamente lógico; a verdade das premissas, necessária para estabelecer a solidez de um argumento, é um conceito metafísico; e a argumentação persuasiva é um conceito epistémico. Evidentemente que há relações entre os três domínios, mas confundi-los provoca incompreensões graves, nomeadamente relativas à diferença entre argumentação e explicação. Assim, o conceito de argumento bom ou forte ultrapassa o domínio estrito da lógica formal, caindo no domínio da lógica informal, tal como acontece com o conceito de falácia. Do ponto de vista estritamente lógico, da lógica formal, um argumento é válido ou inválido, sem haver lugar a falácias, que são argumentos inválidos que parecem válidos quando os agentes estão em certas condições cognitivas. O conceito de falácia é assim parcialmente psicológico. Se o conceito de falácia é ou não epistémico, como o conceito de argumento forte ou bom, é algo que deixo para segundas núpcias. Em qualquer dos casos, não é um conceito que pertença ao domínio da lógica formal; tal como o conceito de argumento bom ou forte, pertence ao domínio da lógica informal, que tem em conta as condições epistémicas dos agentes cognitivos.

18 de mar. de 2009

O utilitarismo de J. S. Mill e o princípio da maior felicidade

Stuart Mill é um dos grandes expoentes do iluminismo inglês. Contudo, apesar dos belos ideais, a sua argumentação está longe de ser satisfatória para quem desconfia dos "poderes da razão" e do hedonismo bem intencionado.

"Segundo o Princípio da Maior Felicidade (...), o fim último, com referência ao qual e por causa do qual todas as outras coisas são desejáveis (...), é uma existência isenta tanto quanto possível de dor, e tão rica quanto possível em deleites, seja do ponto de vista da quantidade como da qualidade. O teste da qualidade, a regra que permite mensurá-la em oposição à quantidade, é a preferência manifestada pelos que, em razão das oportunidades proporcionadas por sua experiência, em razão também de terem o hábito de tomar consciência de si e de praticar a instrospecção, detêm os melhores meios de comparação. Sendo esta, de acordo com a opinião utilitarista, a finalidade da ação humana, é necessariamente também o padrão da moralidade."

"O senhor tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta"

Nada como nosso paladino da constituição para dizer o que deve ser perguntado pela imprensa. Evidentemente que devemos pedir permissão para perguntarmos o quê o defensor do Estado Democrático de Direito pensa, senão não seria uma democracia, certo!?

17 de mar. de 2009

Economia matemática

As informações abaixo foram enviadas pelo professor de Economia Matemática, Jorge Araújo, e narram a fascinante história dos desenvolvimentos da matemática no século XX, em especial, a constituição da Economia Matemática como disciplina autônoma e criativa.

O célebre artigo “Zur theorie der Gesellschafttespiele” (Sobre a Teoria dos Jogos de Salão), Mathematische Annalen,100, p. 295-320, de 1928 de von Neuman mostra que num jogo de soma-zero sempre existe pelo menos um ponto de sela em estratégias mistas para os payoffs esperados dos jogadores. Este resultado é o chamado Teorema Minimax ou Princípio Minimax. A demonstração deste teorema pode ser feita de várias maneiras, mas nenhuma é simples. A mais comum pode-se encontrar no artigo do Nash, “Equilibrium Points in n-person Games”, Proc. Nacional Academy of Sciences, 1950, p. 48-49. Em 1953, o matemático Maurice Fréchet reivindicou, num artigo na Econometrica, a criação da teoria dos jogos para o seu compatriota Émile Borel. Von Neumann, no mesmo número da revista, argumentou que para ele, von Neumann, a teoria dos jogos inicia-se com o seu teorema minimax. De fato, é difícil exagerar a importância deste teorema para a teoria econômica no século XX.

Em 1947, num encontro entre George Dantzig e von Neumann, o último percebe a relação entre os problemas de programação linear e o teorema minimax. Posteriormente, em 1950, Kuhn e Tucker generalizam o resultado de Dantzig-Neumann para programação não-linear no famoso Teorema de Kuhn-Tucker, Nonlinear Programming, Proceedings of Second Berkeley on Mathematical and Statistics, p. 481-492, onde mostram que num problema de otimização os pontos ótimos (x∗, λ∗) são selas do lagrangeano.

Os famosos artigos de Émile Borel foram publicados em inglês no mesmo número da Econometrica, Vol. 21, n° 1, jan. 1953. Borel, Émile. The Theory of Play and Integral Equations with Skew Symmetric Kernels, 1921; On Games that Involve Chance and Skill of the Players, 1924; On Systems of Linear Forms of Skew Symmetric Determinants and The General Theory of Play, 1927.

Estes artigos foram traduzidos para o inglês pelo matemático Maurice Fréchet no mesmo número da Econometrica em que mantém a polêmica com Von Neumann.

Fréchet, Maurice. Emile Borel, Initiator of the Theory of Psychological Games and Application, 1953; Commentary on the Three Notes of Emile Borel, 1953

Seguindo este último artigo temos a manifestação de von Neumann, J.. Communication on the Borel Notes, 1953. O artigo considerado inicial da teoria dos jogos é von Neumann, J. Zur Theorie der Gesellschaftsspiele. Mathemastische Annalen, vol. 100.

Sobre a história do húngaro, de origem judia e radicado nos EUA, von Neuman, ver este interessante artigo.

A filosofia de um pardal

Via Fonseqa

5 de mar. de 2009

Argumento ad hominem culpa por associação

Para o deputado federal José Aníbal, Luciana investe nas denúncias principalmente por ser ano pré-eleitoral:

- Afinal o pai dela é candidato a governador do Rio Grande do Sul.

Terra Magazine

Argumentos do tipo culpa por associação tentam repudiar uma afirmação atacando não o proponente da afirmação, mas pessoas de seu relacionamento, ou questionando a reputação daqueles com quem concorda.

Exemplo:
Jones defende a adição de flúor à água
Jones é amigo de bêbados e criminosos
Logo, não devemos adicionar flúor à água
Solução:

As premissas são irrelevantes para a conclusão; ainda que Jones tenha amigos indesejáveis, o que ele defende pode muito bem ser verdade. A questão lógica central aqui é o fracasso em relacionar as premissas com a conclusão.

3 de mar. de 2009

E o factóide de luxo vai para...

Assim como a Amora de Ouro é um prêmio dado aos piores do cinema americano, o Sátiro concedeu o Factóide de luxo de 2009 para Gilmar Mendes. Eis a sua exposição de motivos:

Toda vez que Mendes abre a boca, surge a dúvida: qual “Estado de Direito” defende o presidente do STF? Uma relação harmoniosa entre os poderes, ponto fundamental para a democracia, reside na compreensão de cada um de seu papel. No mundo inteiro, juízes, principalmente chefes de altas cortes, costumam pronunciar-se nos autos de processos. No Brasil, não. Mendes esmerou um estilo que já vinha se consolidando no Supremo: o de julgamentos midiáticos.

Blogotite

Abaixo, depoimento em tom confessional do Donizete, que está de casa nova. Meu histórico é parecido com ele: quem não se lembra da hospedagem no geocities?? Mas o fato é que esse amadurecimento dos blogueiros, alguns fazendo década na rede, resulta forçosamente em maior reflexão sobre os temas escolhidos para postar, bem como em um tratamento mais sistemático das questões propostas. O que acaba levando a uma postura mais crítica sobre a realidade em que vivemos e a um desejo realizado de participar das discussões públicas, com essa ferramenta incrível e barata que é o blog. É a realização do animal político num registro inimaginável no tempo de Aristóteles

(...)
Mas eu mudei. Desde que me tornei um blogueiro acredito ter vivido cem anos em cinco. Viagens, novas amizades e re-encontros, grandes paixões e amores perdidos, a entrada na casa dos trinta anos e, principalmente, a psicologia, que passou a fazer parte da minha vida. Mudaram meu jeito de ser, minha visão de mundo e de homem. Se meus interesses antes eram apenas os seriados, discos, livros e shows; hoje não consigo deixar de pensar a realidade em que vivo. Tornei-me crítico de nossa cultura e de como ela nos envolve e nos abraça, tornei-me atento às contradições dos mais diversos discursos e a como praticamente tudo está relacionado a vertentes políticas e ideológicas.

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2 de mar. de 2009

Análise lógica e editoriais chinfrins

O César Xrmrr está inspirado por esses dias - provavelmente seja a volta às aulas, preparando o semestre - aproveitando a chuvarada para treinar análise lógica. Eis outro belo exercício, dessa vez com análise lógica de editorial chinfrin do pasquim local. (Será que um dia eles irão se envergonhar?!)

Eis outro exemplo de aplicação do método de extração e avaliação de argumentos de Alec Fisher, usando textos de jornais. Agora veremos um editorial da Zero Hora de hoje (2009-03-02).

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Ainda sobre factóides

Sou assinante do Noticiário de Imprensa do Senado Federal. Aliás, a iniciativa do Noticiário é louvável e um grande avanço rumo à informação de qualidade, pois mantém o leitor relativamente atualizado sobre as discussões no plenário e, o mais interessante, nas comissões. As comissões temporárias e permanentes tanto do Senado quanto da Câmara repercutem os grandes temas da vida pública brasileira, de modo que aqueles que se interessam pelo debate público em geral, e pelo funcionamento prático da democracia em particular, ganham muito ao ver as discussões nessas comissões. Contudo, a atual presidência da casa tem abusado dos factóides jornalísticos, devido a razões exploradas em post anterior.

Vejamos abaixo três casos, todos oriundos da presidência do Senado:

1) Sarney anuncia cortes para reduzir gastos do Senado (17/02/2008)

2) Sarney: "Sem a fiscalização do dinheiro público, voltamos a um tempo de retrocesso" (18/02/2009)

3) Sarney e Temer decidem criar comissão para consolidar projetos da reforma política (26/02/2009)

O que essas três manchetes têm em comum? Além de apresentarem Sarney fazendo e decidindo? O próprio!!! Vejamos quais as informações relevantes que nos trazem essas notícias e confrontemos com a prática política do mandatário da atual gestão.

Primeira questão: redução de gastos, por que mesmo!? Como aquela promovida pela "Constituição Cidadã" que, num passe de mágica, deu estabilidade para milhares de funcionários públicos não concursados? Como será mantida a estrutura política acessória e inútil ao estado que o chefe do clã é responsável por manter próxima ao poder? No seu esquema de fazer política, o Estado é quem paga a conta. Para que reduzir?

Segunda questão: a que tempo de retrocesso o chefe do clã está se referindo? À época da ditadura, quando o seu partido, a ARENA, estava no poder e ele era seu presidente? À época da transição à democracia, quando o mesmo foi guindado ao poder sem ganhar nenhum voto? À época de sua aliança com FHC ou, então, seria à época de sua atual aliança com o Lula? Alguém me situe onde está o retrocesso, por gentileza.

Terceira questão: Reforma política!? Só pode ser piada, vindo de um dos principais beneficiários do atual sistema político, que como já mostrado aqui, se elegeu senador pelo Amapá, com menos votos que um vereador por São Paulo e que mantém centenas de apadrinhados confortavelmente espraiados pela Esplanada dos poderes...

Análise lógica aplicada ao debate público

É impressionante o descompromisso que existe hoje em nosso debate público sobre a coerência das idéias e a necessidade de se fundamentar as conclusões nas premissas estabelecidas pelo argumentador. Argumentar bem, em suma. O aNImOT faz uma análise rigorosa de texto apresentado na ZH de hoje, mostrando por que o argumento apresentado por Brossard, independente de seu conteúdo, deve ser rejeitado por razões lógicas. O que o post do César ilustra é que a guerra contra sofistas de meia pataca que infestam a mídia e o debate público deve ser feita mediante a análise rigorosa e lógica dos argumentos apresentados no debate.

A postagem abaixo é de um blog que será direcionado aos meus alunos de Introdução ao Pensamento Filosófico, e trago para cá por se tratar de uma aplicação dos métodos da lógica que certamente é do interesse do público instruído em geral. Em resumo, aplico métodos de extração e avaliação de argumentos a um texto do Brossard que saiu na Zero Hora de hoje.

* * *

Lógica e argumentação: análise de um texto de Brossard

Começo a dar exemplos de aplicações do método de extração e avaliação de argumentos de Alec Fisher, usando textos de jornais. Isso permite mostrar duas coisas. Primeiro, o quanto é difícil identificar argumentos. Segundo, o quanto podemos ir longe quando estamos equipados com tais ferramentas de análise.

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1 de mar. de 2009

Kant e o jornalismo

Abaixo, palhinha do Óleo do Diabo, resumindo seu trabalho de graduação em comunicação social. Achei o tema muito bacana, ainda que com tom excessivamente otimista, pois os avanços estéticos não devem ser esperados na grande imprensa, mas nos novos jornalistas, articulistas e colunistas que têm cada vez mais voz na blogosfera, isto é, no trabalho de formiguinha. O mundo melhora, mas aos poucos...
E pensar que a beleza é um aspecto da verdade!


(...)

Kant fala sobre a "comunicação universal", que somente a arte teria condições de fornecer. Minha tese é de que toda comunicação é uma forma de arte, incluindo a comunicação da imprensa de papel. O tamanho, o tipo, o corpo das fontes. As fotos e gráficos. O texto. Tudo deve ser (ou deveria ser) concebido segundo uma inteligência estética. Estetizando a imprensa, com inteligência e sentimento, poder-se-ia escapar das inevitáveis e cansativas interferências ideológicas sobre a redação, que só prejudicam a qualidade e a atratividade dos textos. Por outro lado, o debate político e ideológico poderia acontecer na imprensa de uma forma muito mais transparente e livre. Todos se interessariam em acompanhar os esgrimas literários entre escritores de credos distintos.

(...)
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Democracia e meritocracia


Abaixo, pedaço do discurso (ou oração) fúnebre de Péricles, o grande general e estadista ateniense. O discurso aparece no início do segundo livro da História da Guerra do Peloponeso e, certamente, apresenta uma visão idealizada da democracia ateniense, como o próprio Tucídides se encarrega de mostrar. Péricles está consciente do grande desafio da democracia, que é ser, de fato, uma meritocracia... Feito o modelo, é só segui-lo...

"A nossa constituição não imita as leis dos estados vizinhos. Em vez disso, somos um modelo para os outros. O governo favorece a maioria em vez de poucos - por isso é chamado de democracia. Se consultarmos a lei, veremos que ela garante justiça igual para todos em suas diferenças; quanto à condição social, o avanço na vida pública depende da reputação de capacidade. As questões de classe não têm permissão de interferir no mérito, tampouco a pobreza constitui um empecilho: se um homem está apto a servir ao estado, não será tolhido pela obscuridade da sua condição...
Estes não são os únicos pontos pelos quais a nossa Cidade é digna de admiração. Cultivamos o refinamento sem extravagância, e o conhecimento sem efeminação. Empregamos a riqueza mais para o uso do que para a exibição e situamos a desgraça real da pobreza não no reconhecimento do fato, mas na recusa de combatê-la.
Diferentemente de qualquer outra comunidade, nós, atenienses, consideramos aquele que não participa de seus deveres cívicos não como desprovido de ambição, mas sim como inútil. Ainda que não possamos dar origem à política, em todo caso podemos julgá-la; e em vez de considerarmos a discussão como uma pedra no caminho da ação, a consideramos como uma preliminar indispensável de qualquer ação sábia... Em resumo, afirmo que, como cidade, somos a escola de toda a Grécia...
A minha tarefa agora terminou... e pelo menos em palavras as exigências da lei foram satisfeitas. Em se tratando de uma questão de feitos, aqueles que estão sendo enterrados já receberam uma parte das homenagens. Quanto ao resto, os filhos do sexo masculino serão educados às expensas públicas até alcançarem a idade adulta. Assim, o estado oferece um prêmio valioso, a grinalda da vitória nesta corrida de bravura, para recompensar tanto os que caíram quanto os que sobreviveram. Pois quanto maiores as recompensas do mérito, melhores serão os cidadãos."

26 de fev. de 2009

Todo mundo na foto



Uma pausa no novo jeito de governar, afinal de contas, ninguém é de ferro.

25 de fev. de 2009

Sobre factóides

A blogosfera é uma ferramenta essencial para quem quer fugir do factóide jornalístico. A recente polêmica da Folha com o termo "ditabranda" e ataques pessoais injustificáveis no debate público fez uma limonada na rede. Abaixo, palhinha do Descurvo sobre o assunto:

Em meio à repercussão de toda a celeuma da ditabranda, um fenômeno interessante que já ocorreu recentemente no Brasil tornou a dar as caras: O desfoque sistemático de um grande debate público. Quem acompanhou o caso DD sabe muito bem sobre o que eu me refiro. Naquela ocasião, diante da aberração jurídica cometida pelo presidente do STF, surgiu uma curiosa questão: O Estado policiesco. Se num instante, o debate pesava sobre o Presidente da nossa suprema corte, num segundo momento - e com alguma ajuda de certos setores da mídia - o debate passava a ser sobre a questão dos limites do poder de polícia do Estado e de direitos e garantias individuais, uma questão interessante, mas que no contexto e com a finalidade com a qual foi inserida, tinha finalidades espúrias - em um primeiro momento tirar o peso inicial da opinião pública dos ombros de Gilmar Mendes e num segundo momento desfocar o debate.

Ora, há quem possa exclamar que debater isso estaria em perfeita concordância com o caso DD, no entanto, os fatos apontavam claramente que não, na medida em que os direitos e garantias do então investigado - ora condenado - não foram ameaçados em nenhum momento, portanto, a questão do Estado policiesco não era um fato, mas sim um mero factóide.

No caso atual, não temos a Gazeta de Xapetuba D'Oeste fazendo um editorial favorável ao time local, mas sim o jornal mais vendido do nosso país fazendo um editorial onde suaviza o regime de exceção que vigorou por vinte e um anos por essas terras. Não é pouca coisa. Diante da reação justa e proporcional ao agravo por parte dos leitores, o jornal além de não ter se retratado enfaticamente, ainda lançou ataques pessoais contra dois dos mais ilustres acadêmicos a lhe fazerem críticas; o álibi? Um eventual silêncio que eles manteriam em relação ao sistema cubano. Daí, eu pergunto, o que teria a ver Cuba com o atual debate? Vai aí uma dica: O mesmo que o Tadjiquistão ou, em bom português, porra nenhuma. Enfim, estamos diante de mais um factóide.

Mais

Quem quer assumir o iluminismo?

Abaixo, palhinha da interessante crítica do Not Tupy sobre a visão que nós, os brasileiros que temos computadores, acesso à Internet e tempo para bloggar, - enfim, a elite - temos de nós mesmos. Não concordo, contudo, com a inferência feita pelo autor de sua análise para suposto uso por parte de nossos "marxistas". A inferência é inválida por vários motivos que não convém comentar aqui, mas o post Auto-etnografia faz uma análise lúcida do funcionamento de nossa dinâmica social que merece ser lido.

(...) É o classismo do Brasil, o "sabe com quem está falando?", o fato que pobres e classe-média-pra-cima se enxergarem como coisas diferentes a pior mácula da cultura brasileira. Uma chaga que está sim ligada ao racismo, mas vai além dele e é mais perniciosa que ele, pois é o que impede que os pobres sintam-se cidadãos e acreditem em ascenção social honesta, causando assim a inveja destrutiva, a criminalidade e, em última instância, o subdesenvolvimento.

É sintomático o fato de usarmos termos como "tupiniquim" e "antropofagia", fazendo graça com o suposto status selvagem do povo, do qual, por ironizarmos, nos excluímos. Essa atitude é herdeira da colônia e há muitos motivos para não ser contestada seriamente. Põe-se em jogo os interesses de nossos "barões", esses que estão muito confortáveis em seu papel de sêo-dotô-benfeitô, a imagem do nobre jogando moedas da carruagem ao povo famélico - para o que deve existir eternamente nobres e povo famélico.

Quem quer assumir o Iluminismo quando isso poderia destituir os privilégios de nossas castas dos políticos, funcionários públicos, intelectuais e artistas?

(...) Mais

20 de fev. de 2009

Falácias de ênfase e o noticiário político regional

Falácias de ênfase se referem às ênfases que geram interpretações múltiplas (e, freqüentemente, enganadoras). Cabeçalhos de jornais, multas de contratos e formulários de inscrições para concursos são fontes costumeiras de falácias de ênfase.

Exemplo:

200.000 VAGAS NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
Já saíram os editais para os concursos
Que ocorrerão até 2015

Solução:

A primeira e mais enfática linha devido ao tamanho da fonte induz o leitor a acreditar que existem 200.000 vagas no serviço público federal ainda este ano/imediatamente. A segunda nos faz supor que os editais já estão disponíveis. A terceira, em letras miúdas, que dificilmente serão lidas, nos força a interpretar novamente toda a mensagem e reinterpretar a oferta de vagas efetiva. Acreditar nas primeiras duas linhas nos conduz a conclusões errôneas sobre a real quantidade de vagas que o comprador desavisado do jornal de concurso poderá efetivamente prestar. Contudo, devido às ênfases dadas, o leitor conclui lendo apenas a primeira linha que existem 200.000 vagas sendo efetivamente ofertadas. Inferir tal conclusão é cometer a falácia da ênfase.


Infelizmente nosso noticiário político regional oferece mais uma safra de falácias. Em ZH de hoje, dois títulos infelizes, que induzem o leitor ao erro, e contradizem o conteúdo das notícias:




No corpo da notícia se lê um detalhado relato das suspeitas, que fecham com investigações já em curso pelo MPF, Polícia Federal etc. com farta documentação sobre as atividades ilícitas dos suspeitos. O título da matéria, contudo, leva o leitor ao engano ao enfatizar que as denúncias foram apresentadas sem provas, como se a conformidade com os fatos e as reações dos acusados não fosse indício - por certo insuficiente - mas ainda assim forte indício de que eles tenham sido, de fato, filmados rapinando o erário.

A segunda falácia de ênfase do noticiário político de hoje encontramos sob o seguinte título:

Procurador desmente afirmações

Ganha um pirulito quem acertar as afirmações que o procurador desmente...

Não são as nove acusações do PSOL, como a associação com o primeiro título poderia nos levar a supor. Não são as seguintes nove acusações que o promotor desmente, a saber (via RS Urgente):

1) Áudio e vídeo mostrando representante da Mak Engenharia entregando 500 mil para a campanha de Yeda na presença de Chico Fraga, Aod Cunha, Rubens Bordini, Delson Martini, Lair Ferst e Marcelo Cavalcante;

2) Áudio e vídeo de representantes de empresas fumageiras entregando 200 mil para Aod Cunha e Lair – na conversa, Lair diz que não poderia dar recibo a pedido de Yeda

3) Lair Ferst relata conversa que seria sobre a repartição do dinheiro do Detran entre ele, Yeda, Vaz Netto e Maciel. Lair oferece 100 mil por mês para Yeda para manter o esquema e ela responde: por 100 mil eu não me levanto da cadeira.

4) Áudio e vídeo de José Otávio Germano entregando 400 mil em espécie, do dinheiro do Detran, para caixa 2 do segundo turno da campanha de Yeda. José Otávio diz que aquela era uma ajuda para obter crédito político. Presentes: Lair, Yeda e Marcelo Cavalcante.

5) Longo vídeo de conversa de Lair com o corretor Albert sobre a formatação da compra da casa de Yeda. Bem detalhado. Lair entrega 400 mil em dinheiro vivo para o corretor. Dinheiro este além dos 750 mil pagos formalmente. Neste vídeo são citados nomes de 20 pessoas, entre eles o marido Crusius e vários secretários;

6) Áudio e vídeo de distribuição de pacotinhos de dinheiro para várias pessoas cujos nomes não são conhecidos. Quem aparece distribuindo (e inclusive a expressão "mensalinho" é dita por alguém) é Valna Villarins (assessora de Yeda) e Delson Martini. Testemunham o fato: Lair e Marcelo.

7) Áudio e vídeo de Humberto Busnello entregando 200 mil para o caixa dois da campanha de Yeda para Aod Cunha. Lair testemunha.

8) Áudio e vídeo de uma longa explanação de pagamentos de contas particulares da governadora, supermercado inclusive. Alguma coisa envolvendo empresas de publicidade – DCS entre elas. Presentes: Lair e Marcelo.

9) Diálogo sobre reforma da casa de Yeda feita pela Magna Engenharia. Lair é que está negociando.

Bom, se não são essas nove acusações, quais afirmações o promotor está desmentindo?

O Promotor:
"(...) negou ter conhecimento das gravações referidas pelo PSOL e que estariam em poder do Ministério Público Federal (MPF)."
"(...) negou que um depoimento de Marcelo Cavalcante estivesse marcado"
Muito embora, "a informação de que Cavalcante prestaria depoimento ao MPF havia sido confirmada a Zero Hora pela viúva de Cavalcante, Magda Koenigkan, em entrevista por telefone, na quarta-feira" e não pelo PSOL.

Conclusão: O promotor não desmentiu as afirmações do PSOL, pois não tinha conhecimento delas. O promotor também não desmentiu as afirmações do PSOL, que o depoimento de Cavalcante estivesse marcado, mas desmentiu, isso sim, as afirmações de ZH!

Em busca do esclarecimento

Excelente iniciativa de César Schirmer, do aNImOT para divulgar informações relevantes para pessoas que ainda não acompanham a Blogosfera, mas procuram (e não encontram) informação de qualidade na grande imprensa. Que o BlogoPress prospere e frutifique!

Meu sogro gosta de acompanhar as notícias, mas não suporta os comentaristas direitistas abusados que aparecem na TV ou no rádio, nem notícias distorcidas. E ele não acompanha a internet. A situação dele é igual a de vários que só usam rádio, TV e jornais como meios de comunicação. É para esses que dirigo o BlogoPress.

A idéia é simples: recorto e colo em um documento do BrOffice trechos das notícias e opiniões mais interessantes que acho na internet, salvo como PDF, imprimo uma cópia para meu sogro, e deixo o PDF no ar para que outras pessoas imprimam para outros sem-internet que queiram informação viva e confiável. Com isso, dou-lhes uma amostra do que há na rede, e os convido a participar.

O BlogoPress não é dirigido para quem já acompanha a internet e os blogs. Seu público são as pessoas que ainda não frequentam esse mundo. Você pode instigá-las a vir para cá imprimindo algumas cópias do BlogoPress, ou fazendo sua própria seleção, e distribuindo as cópias impressas para vizinhos, parentes, amigos, colegas de trabalho ou colegas de escola.

A idéia fundamental por detrás do BlogoPress é instigar pessoas de todas as idades a frequentar a internet, e usá-la como meio de informação. Uma vez que essas pessoas tenham contato com o material que circula na rede, suas visões sobre o material que rola em rádios, TVs e jornais se modificará.

Endereço: http://blogopress.blogspot.com/

19 de fev. de 2009

Economia ambiental e ineficiências alocativas

Abaixo, trecho de artigo de Lawrence Summers, economista-chefe do Banco Mundial, publicado no The Economist, na edição de 6 de fevereiro de 1992, que trata das ainda atuais ineficiências alocativas de lixo e outros materiais poluidoras entre os países desenvolvidos e os "em desenvolvimento" e a posição que o Banco Mundial deveria adotar frente ao problema.

"(...) não deveria o Banco Mundial estar encorajando mais migração das indústrias poluidoras para os países menos desenvolvidos ? Três razões vêm-me ao espírito:

1) A medição dos custos da poluição prejudicial à saúde depende dos ganhos auferidos com uma maior mortalidade. Levando-se em conta esse ponto de vista, uma determinada quantidade de poluição prejudicial à saúde deveria ser gerada no país com os menores salários. Eu penso que a lógica econômica por trás do despejo de um carregamento tóxico no país de menores salários é impecável e deveríamos levá-la em conta.

2) Os custos da poluição deverão ser não-lineares, já que os acréscimos iniciais de despesas com a poluição provavelmente têm um custo muito baixo. Sempre achei que os países subpovoados da África eram extremamente ´subpoluídos´; a qualidade do ar é, provavelmente, ineficientemente baixa comparada com a de Los Angeles ou com a da Cidade do México. Apenas o lamentável fato de que tanta poluição é gerada por indústrias não-deslocáveis (transportes, geração de eletricidade) e que os custos de transporte por unidade dos detritos sólidos sejam tão caros impedem um comércio de poluição atmosférica e lixo aumentando o bem-estar mundial.

3) A demanda por um meio ambiente limpo por razões estéticas e de saúde provavelmente terá uma grande elasticidade de ganhos. A preocupação com um agente poluidor que causa alteração de um em um milhão de probabilidades de um câncer da próstata do que em um país onde a mortalidade das crianças de até 5 anos é de duzentas por mil. Além disso, uma grande parte das preocupações com as emissões de poluentes industriais é com as partículas que dificultam a visibilidade. Essas partículas podem ter um impacto direto sobre a saúde muito pequeno. É claro que o comércio com bens que corporificam as preocupações com a poluição estética pode ser favorável ao bem-estar. Enquanto a produção é deslocável, o consumo de ar puro não é comercializável.

O problema com os argumentos contrários a todas essas propostas de mais poluição nos países menos desenvolvidos (direitos intrínsecos a certos bens, razões morais, preocupações sociais, falta de mercados adequados, etc) poderia ser invertido e usado com maior ou menor eficiência contra qualquer proposta do Banco Mundial de concessão (de verbas)."

Comentário do Gustavo Schirmer, de onde veio a pérola, dá para discordar?

Temos aí tudo o que é necessário para um economista neoliberal: análise racional, uso dos termos corretos (eficiência, elasticidade, etc), completo desprezo pelos seres humanos que não lhe possam prover vantagens. Esse grande economista não só permanece à solta, como ainda consegue cargos influentes. Qual é o limite para a demência neoliberal?

17 de fev. de 2009

Sobre a opinião na blogosfera

Abaixo, palhinha de texto do Amálgama, sobre a Opinião na Blogosfera. Aliás, para quem não conhece o blog, vale a pena dar uma espiadinha - com o perdão da expressão. Os post do findi, todos muito bons, sobre Homossexualismo e a Bíblia, Política em Israel e sobre a Opinião na Blogosfera mostram o amadurecimento da blogosfera como instrumento efetivo de informação e discussão de temas relevantes. Porém, sou mais otimista que o autor. Felizmente, já temos tecnologia para driblar a grande imprensa e, devido a ela, o seu poder político está declinando e tende a cair ainda mais nos próximos anos.

(...)

Hoje, se quisermos opinião, ponto-de-vista, crítica fundamentada, temos que viajar pela internet em busca de blogs, que estão substituindo os editoriais e os chamados artigos de fundo dos grandes jornais, cada vez menos lidos. Uma pequena e ilustrada parcela da população acessa os blogs, que ainda não formam opinião pública. A totalidade das massas é educada pela TV, que substituiu a Escola, a Igreja e o Exército como formadores morais e de opinião pública. E a TV brasileira não forma, não ensina e nem tem opinião. Mesmo sendo concessão pública, a nossa TV é um lucrativo negócio familiar ou de políticos que se perpetuam no poder exatamente porque comandam e ditam a informação, criam a “opinião pública” nacional, regional e local. As retransmissoras estaduais dos canais nacionais pertencem a políticos, seus familiares e laranjas. A opinião deles é a opinião dos patrões: prefeitos, governadores, deputados que pagam comerciais, que patrocinam programas e shows “sociais” e estão sempre de mãos dadas com o patrão maior, o poderoso chefão, o governo federal e suas estatais cheias de verbas publicitárias e mais o BNDES para socorrer as TVs em “dificuldades” - muitas das quais sonegam impostos e surrupiam a previdência social.

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16 de fev. de 2009

Kant em quadrinhos



Tradução
:

Q1 - Strizz: Sensacional!
Q2 - Chefe: Senhor Strizz, por favor, examine esse orçamento. A coisa é urgente.
Q2 - Strizz: Kant, chefe!
Q3 - Strizz: Eu viverei de outra maneira. Descobri que sou culpado de minha própria menoridade!
Q4 - Strizz: Sabe o que é menoridade? A incapacidade, de seu próprio entendimento orientar-se sem a instrução de outro. Por exemplo, seu chefe. Sabe o que é ser culpado? Quando não falta entendimento, mas coragem, para trabalhar sem a direção do chefe.
Q5 - Strizz: O meu entendimento me diz: devagar se vai ao longe! Comece o dia calmamente! Evite stress! A minha coragem me diz: diga ao chefe!
Q6 - Strizz: Esse Kant! Gente fina! Eu vou sempre andar com ele!
Q6 - Chefe: hm.. faz tempo que eu li Kant...
Q7 - Chefe: Pelo que eu me lembro, ele não pregava a preguiça de jeito nenhum. Não eram os conceitos de dever e de atenção à lei moral os conceitos essenciais da Fundamentação da Metafísica dos Costumes?
Q7 - Strizz: ohhh... não cheguei a ver isso...
Q8 - Chefe: Espere um pouco... talvez isso esteja por aqui...
Q9 - Chefe: Aqui! "Dever é a necessidade de ação por atenção à lei!" Não seria em seu caso a atenção ao contrato de trabalho? Assunto encerrado! Me entregue o orçamento em minha mesa em uma hora!
Q10 - Strizz: Chefe! Então a gente não pode filosofar! Que citação foi encontrada! Eu também consigo! Aqui! Sua única garantia de felicidade é o dever. O que isso significa?
Q11 - Chefe: Eu não tenho nada contra que tu estudes Kant! Mas em casa! Se você me provar que é para isso, se depois do almoço você não tiver nada para fazer, tire uma semana de folga!

15 de fev. de 2009

13 de fev. de 2009

Questões para concurso aleatório em filosofia

Sugestão de uma prova de filosofia moderna no formato concurso aleatório:

Aguarde o sorteio e responda somente à questão sorteada.

1) Por que Kant passeava todos os dias no mesmo horário? Quem foi o responsável pelo seu único atraso? Relacione esse fato à sua doutrina da autonomia moral na Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

2) Em que data Hobbes nasceu e por que sua mãe quis pari-lo o mais rápido possível? Relacione sua resposta com a ameaça da Invencível Armada sobre a Inglaterra e o papel do medo em sua doutrina do contrato social.

3) Que língua os barqueiros que pretendiam roubar e matar Descartes falavam? Explique e fundamente a reação do filósofo a partir de sua moral provisória.

4) Nietzsche era onanista? Por quê? Desenvolva sua resposta a partir do relacionamento do filósofo com Wagner e analise a Cavalgada das Walkírias nesse contexto.

5) Quais eram as armas que Maquiavel apresentou para o esquadrão de infantaria pesada em sua obra A arte da Guerra? Fundamente sua resposta a partir dos Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio.

6) Quem era a rapariga pega em flagrante com Schopenhauer, quando ele atirou uma bisbilhoteira idosa escada abaixo? Quanto tempo ela demorou para morrer? Quanto ele pagou de indenização? Explique a atitude do filósofo através da doutrina das virtudes exposta em O Mundo como Vontade e Representação.

7) Por que Rousseau achava que os selvagens brasileiros eram bons? Qual a relação dessa doutrina com o contrato social e com a presunção de inocência em nosso sistema penal?

8) Qual era a raça do cachorro que Leibniz ensinou a falar? Quantas palavras ele aprendeu? Quanto tempo foi despendido pelo filósofo nesta tarefa? Por que a voz do cachorro era gutural? Qual a explicação do filósofo para esse fato? Relacione o método pedagógico utilizado por Leibniz com sua doutrina da monadologia.

As respostas serão avaliadas conforme a sua relevância filosófica.
Respostas de cunho pessoal, histórico, psicológico ou social não serão toleradas, implicando o imediato indeferimento da candidatura.
Serão aceitas provas apenas com esferográfica preta.
Não serão aceitas rasuras.

Quem foi Vitruvius?

A comunidade acadêmica da filosofia está em alvoroço com os concursos que têm ocorrido na área. São várias vagas, em inúmeras universidades. Entre as novidades, é possível perceber um nítido aumento e amadurecimento da filosofia acadêmica. A grande maioria dos editais exige doutorado concluído e, mesmo assim, a concorrência é grande e a disputa é acirrada.

Além de problemas pontuais, uma questão que tem aparecido nas conversas são os critérios que as Universidades Públicas Federais têm adotado para a seleção dos seus candidatos. Algumas criam empecilhos meramente burocráticos - tão absurdos quanto um bom conto de Kafka - como, por exemplo, exigir graduação e doutorado em filosofia, não fornecer os pontos do concurso senão de maneira presencial, não aceitar inscrição via procuração etc. O pretexto é o grande número de candidatos... como se isso fosse um problema e não uma enorme vantagem para o departamento de filosofia, já que as chances de se escolher um perfil compatível com as diretrizes do curso aumentem muito. Ou seja, o que fazer com os limões? Colocar fora e não fazer limonada coisa nenhuma!

Os candidatos que habilmente pularem as barreiras meramente burocráticas e sem nenhuma relevância para avaliar um bom professor e pesquisador em filosofia, se deparam com outras barreiras igualmente surpreendentes. O sorteio de pontos aleatórios de história da filosofia é o mais incrível deles. A estratégia é elencar uma série de pontos obscuros e pouco conhecidos e sorteá-los para os candidatos responderem. Sorte, muita sorte é necessária para ser professor de filosofia! Vitruvius, autor relevante para a compreensão do início da modernidade no renascentismo italiano, já se candidatou para ser uma das balas na roleta russa.

Um caminho, sugerido pelo Rogério Severo, poderia ser: avaliar o que o candidato tem de melhor e não ser uma versão burocratizada do jogo dos sete erros. Isto é, assim como foi o concurso da UFMG, o melhor critério parece ser a avaliação do projeto de pesquisa do candidato, focando especialmente sua relevância para a disciplina à qual se dedica e para o departamento onde irá trabalhar.

12 de fev. de 2009

Protesto contra o Espigão na Lima e Silva

Já assinei o abaixo-assinado e ontem me juntei rapidamente ao protesto contra a construção de um espigão na rua Lima e Silva, em Porto Alegre. Esses grandes projetos de engenharia em zonas centrais e valorizadas das cidades tendem a dar grandes lucros para empreiteiras, incorporadoras e corretoras, mas detonam a estrutura viária, sobrecarregam os sistemas de água, luz e esgoto, tolhem a paisagem e descaracterizam um bairro antigo e com características arquitetônicas bem peculiares.

Não ao espigão!

Não ao espigão!

Abaixo, reportagem sobre o assunto via RS Urgente:
A construtora Melnick promoveu nesta quarta-feira (11) um coquetel de lançamento do espigão de 20 andares projetado para ser construído na rua Lima Silva, bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Moradores do bairro, contrários à construção do edifício, realizaram uma manifestação de protesto no local, em frente ao centro comercial Nova Olaria.

Para os moradores, a obra é uma violência urbanística e ambiental em um bairro caracterizado por suas casas de estilo açoriano e com prédios de no máximo nove andares. A comunidade da região não foi consultada sobre a obra conforme determina a lei de impacto de vizinhança. Entre os efeitos negativos da construção, os moradores citam a derrubada de árvores que abrigam comunidades de papagaios, a diminuição da luminosidade e o bloqueio do sol em muitas casas situadas no entorno da obra e agravamento dos problemas do sistema viário da região. A mobilização denuncia ainda que a prefeitura aprovou a obra ignorando as normas que o Plano Diretor estabelece para a região.

As imagens do protesto são da Agência Celeuma Imagens.

10 de fev. de 2009

Os aiatolás e o apartheid político brasileiro

O post de Pedro Doria sobre as próximas eleições no Irã avança muito além das tradicionais e bizarras caricaturas de aiatolás, mostrando as opções políticas de um país interessante e complexo, tal qual o Brasil. Lá pelas tantas ele cita o professor Abbas Milani, provavelmente o maior especialista no país que vive no exterior, que classifica o governo iraniano pós-revolucionário como “uma ‘democracia de apartheid’. Quer dizer: a democracia não é para todos e há muitos excluídos. Mas, dentre aqueles poucos que têm acesso, a disputa por poder é real. Depois desse comentário, ele passa a narrar as diferenças políticas entre os candidatos. Mohammad Khatami, pró-reformas e preferido do Ocidente e Mahmoud Ahmadinejad, conservador e preferido pelo conselho de anciões e pelo aiatolá Ali Khamenei.

Mas eu parei no apartheid político... reli, e pensei: e o Brasil?

1) Podemos dizer que a democracia é para todos?

2) Podemos dizer que entre aqueles poucos que têm acesso, a disputa por poder é real?

Podemos dizer que a democracia é para todos? De um ponto de vista puramente formal, podemos dizer que sim, em tese todos são obrigados a votar e, de fato, não houve em tempos recentes maiores distúrbios durante os processos eleitorais. Os mais ufanistas gostam de citar o rumoroso caso da eleição de Bush para o segundo mandato - com votação fraudada, para mostrar que a democracia brasileira já superou esses problemas. De fato, essa é uma vitória formal de nossa democracia. Mas não basta olhar apenas para sua parte formal ou espectral, é importante entender seu conteúdo. Aí as coisas ficam mais complicadas.

Fiquemos somente com o poder do povo: o poder legislativo, verdadeiro pulmão de qualquer democracia; no Brasil, distribuído em duas casas legislativas, Câmara Federal e Senado.

Os representantes do Senado são tipicamente representantes das oligarquias estaduais, casa responsável por nosso federalismo e, segundo alguns, desnecessária. São três senadores por estado da federação, não importando seu tamanho, nem sua população, nem sua economia. O que está em jogo nessa casa são os "interesses dos estados". Nessa casa, o Amapá com 384.825 eleitores elege três senadores, o mesmo número que democraticamente São Paulo também elege, com 29.143.392 eleitores ou Rio Grande do Sul, com 7.925.459 eleitores.

Os representantes da Câmara, em tese, deveriam representar proporcionalmente a população brasileira, mas na prática há enormes distorções. São Paulo elege o número máximo de 70 deputados federais, cada um representando 586 mil habitantes. Já o Amapá elege o número mínimo de 8 deputados, cada um representando cerca de 48.000 eleitores. Isto é, menos do que um décimo da representação por habitante de São Paulo! São 11 estados na mesma situação do Amapá numa federação com 26 estados!

Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul, com maior população, detém também maior parte da produção industrial e a esmagadora oferta de serviços, especialmente do terciário superior, gerando a maior parte da riqueza e do desenvolvimento social, mas são politicamente nanicos no atual sistema político brasileiro. Assim, paradoxalmente, graças aos milagres da matemática, o peso político dos interesses urbanos é muito menor do que deveria ser, havendo nitidamente um descompasso entre a representação política e os interesses sociais e econômicos e um verdadeiro apartheid entre os interesses do Brasil urbano e a sua representação política.
As grandes tensões sociais em números absolutos localizam-se nas áreas urbanas. Talvez seja por isso que problemas prementes sejam postergados ad infinitum. o problema das favelas, cruel, urgente, não tem, do ponto de vista político, o peso que tem do ponto de vista social, já que se concentra nos grandes e sub representados politicamente centros urbanos.

Um argumento muito usado pelos defensores do atual sistema é o medo de que os estados pequenos sejam esquecidos em suas demandas, frente aos estados maiores e mais fortes. - que haja "quebra do pacto federativo". Contudo, eles já são atualmente esquecidos por suas oligarquias, como o Maranhão, com péssimos indicadores sociais, governado pela família Sarney há décadas. Que a presidência do Senado Federal esteja sendo exercida, pela segunda vez, por um senador do Amapá é um acinte à democracia brasileira e uma aberração social, posto o que esse senhor representa para os interesses do Brasil moderno, urbano e industrial.

Chegamos, desse modo, pelo exemplo histórico, à resposta da primeira pergunta: não, a democracia brasileira tem seus pulmões doentes. O nosso atual sistema de representação legislativa impede uma democracia para todos. Ainda que, do ponto de vista formal, todo o teatro seja solenemente executado: vários candidatos, filas nos locais de votação, renovação do executivo e do legislativo etc. o controle das decisões de Estado tem grande autonomia e independência frente à sociedade e às “escolhas democráticas” - a tal da "vontade popular". Com a matemática milagrosa do sistema eleitoral brasileiro, bastiões do coronealismo hipertrofiados de poder, os verdadeiros donos do poder, ainda detém parcelas fundamentais do Estado brasileiro.

Os "novos" presidentes da Câmara e do Senado são representantes ilustres do alto clero - em oposição ao baixo clero (esses só possuem castelos...). O alto clero outorga a si as decisões importantes, aquelas chamadas pomposamente de decisões de estado. Para manter a analogia com o início do post, tal qual os aiatolás exercem essa função no Irã. O clubinho é fechado e entrar nele exige fazer milagres - dente os mais notáveis, a posse de canais de TV e o enriquecimento extraordinário.

Existe disputa de poder real nesse sistema de representação política? A cooptação e a capacidade de conciliar interesses faz com que, numa perspectiva histórica mais ampla, a resposta seja não, e que as grandes mudanças do curto prazo apareçam apenas como leves acomodações. È o tal do afidalgamento a que se refere Faoro. Quando o cara chega no poder ou perto dele, fica igual a quem o possui. Assim, as antigas oligarquias sobrevivem eleição após eleição, executivo após executivo, incólumes, trazendo para o Brasil uma impressionante e perversa estabilidade institucional. Formando um verdadeiro e nefasto conselho de anciões. Se houvesse disputa real entre os dois brasis, o moderno e o arcaico, a aliança Lula-Sarney ou ACM-FHC jamais poderia ter existido... Claro está que nessas alianças o grande excluído é o eleitor, que, como eu, morador de uma grande cidade, não quer o chefe do clã na presidência do Senado, nem seus afiliados espraiados eternamente pelos ministérios da esplanada.

Como poderemos nos libertar desse apartheid político que tolhe acintiosamente a representação política de seus moradores urbanos e descomprometidos com as oligarquais - paradoxalmente para uma democracia - a grande maioria dos brasileiros?

8 de fev. de 2009

Máximas

Abaixo, palhinha do texto Máximas, de Christel Fricke, apresentado no X Kant-Kongress que aconteceu em São Paulo em 2005. O texto foi traduzido por mim e por Gerson Neuman em 2008 e publicado na revista Contingentia - revista do setor de alemão da UFRGS. Atualmente, Fricke é diretora do Centro de Estudos sobre Normatividade na Universidade de Oslo, com estudos publicados sobre a filosofia estética de Kant e o agente imparcial de Adam Smith. Ela é, certamente, uma das pessoas das quais vale a pena acompanhar o trabalho para saber o que de mais relevante está acontecendo em filosofia hoje.

“Máximas” - este é um conceito-chave da filosofia moral de Kant. As razões para essa função-chave são manifestamente: a qualidade moral de uma ação depende da qualidade da Máxima que a fundamenta – essa a tese kantiana. Trata-se, conforme Kant, na avaliação moral de uma ação, não de suas conseqüências reais ou de uma ação como acontecimento observável em uma determinada localização espaço-temporal, mas sim do caráter a partir do qual uma pessoa praticou a ação. Isso tudo não é discutido. Contudo é notoriamente obscuro o que exatamente é compreendido por “Máximas” e como as “Máximas” podem ser inseridas em uma psicologia moral plausível.

Pelo termo “Caráter” nós pensamos primeiramente na intenção a partir da qual uma ação é assumida. A qualidade moral de uma ação torna-se dependente da intenção que lhe fundamenta, o que nos é inteiramente sabido. Se Lars pisar no pé de Lise e Lise se queixar com as palavras “Lars pisou no meu pé; ele não o fez acidentalmente, mas sim com intenção”, então ela se queixa menos da dor sentida do que da má intenção moral de Lars. Intenções são estados de espírito bem determinados de uma pessoa, estados do querer de uma determinada ação. A intenção de Lars, que está implícita em relação a Lise, é a intenção de, num determinado momento, lhe pisar no pé e, com isso, lhe machucar. Mas nós não devemos entender máximas simplesmente como intenções. Máximas não são, segundo Kant, estados de espírito singulares determinados, espaço-temporalmente localizados de uma pessoa, que quer realizar uma determinada ação, mas sim fundamentos práticos subjetivos, “sob as quais repousam diversas regras práticas” (KpV, §1, Cf. Erklärung). Como fundamentos, as máximas são princípios gerais. E é essa universalidade das máximas, sobre a qual repousa especialmente o interesse de Kant, pois, conforme a regra moral kantiana, só é moralmente boa a ação que uma pessoa pratica, cuja vontade é determinada por uma máxima, da qual essa pessoa possa querer que ela “deva se tornar uma lei universal da natureza” (GMS, AAIV, 421). Testar uma ação a partir de sua qualidade moral significa testá-la conforme essa formulação, se se poderia querer que as máximas que lhe servem de base devem se tornar uma lei universal da natureza, ou seja, se, sobretudo, for possível fazer dessa máxima uma lei da natureza.

(...)

Mais em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/contingentia/article/view/6766/4072

6 de fev. de 2009

Creditos de carbono e pauta de exportações

Abaixo, palhinha da entrevista de Divaldo Resende, da Cantor CO2e à Gazeta Mercantil sobre o promissor mercado de créditos de carbono. É incrível pensar que lugares como o da foto ao lado possam gerar riqueza. Num país como o nosso, as potencialidades são imensas:

As perspectivas de entrada recursos no País são em torno de US$ 330 milhões somente com a venda de créditos de carbono. Se considerar os recursos necessários para a implementação do projeto e outras atividades paralelas, esse setor movimenta mais de US$ 1 bilhão no País. Se colocar o crédito de carbono na pauta de exportações, fica entre os 25 maiores produtos exportados do Brasil.

Ainda sobre Paraisópolis.

Requento um pedaço modificado de um post sobre o que julgo ser a verdadeira causa da violência em Paraisópolis, a favela. É incrível que depois de anos de governos de "esquerda" o problema das favelas continue, no seu grosso, intocado. Não haverá justiça social nem crescimento econômico sustentável enquanto milhões de brasileiros viverem em condições indignas de moradia, sem saneamento, transporte, saúde e educação adequadas. A proximidade com os ricaços só aumenta a revolta e escancara a injustiça. Imaginem-se morando num barraco sem luz e sem banheiro, mas com vista para o espigão que tem uma piscina por andar... Nesses casos, a polícia faz o triste papel de capitão do mato, resolvendo na porrada o que é direito constitucional.

A principal causa de tais índices de violência, no entanto, parece ser outro do que aquele proferido iradamente nos discursos oficiais: a favela. Sem condições mínimas de segurança, habitação, higiene e educação, a violência transborda com naturalidade de barracos mal equilibrados e sem canalização de esgoto. O interessante é que a violência somente se torna um problema social quando desce para o asfalto. Confinada aos morros e favelas a violência é vista como "guerra de traficantes". Os programas de governo de desfavelização são tímidos e muito pontuais para o tamanho do problema, que inclui uma legislação fundiária kafkaniana, a base para todas as ações subseqüentes. Enquanto o verdadeiro problema fundiário brasileiro (ao contrário do que prega, por exemplo, o MST) encontra-se nas regiões metropolitanas do Brasil e não no campo, não for enfrentado com determinação, as favelas continuarão sendo o grande viveiro da violência cega de nossas grandes cidades.

5 de fev. de 2009

O desconforto com o sujeito moderno

Aproveitando o ensejo dos dois últimos post, requento um de 28 de setembro de 2006 do meu spaces , sobre o livro Modernism as a Philosophical Problem.

Em seu instigante livro: Modernism as a Philosophical Problem - On the Dissatisfactions of European High Culture; Robbert Pippin apresenta um belo quadro histórico sobre a evolução e crítica do conceito do sujeito moderno como espontaneidade. Pippin argumenta que, desde o estabelecimento do sujeito moderno como espontaneidade no Idealismo Alemão, esse conceito é progressivamente atacado por diversos motivos. Entre o coro de críticos à noção de espontaneidade e, com ela, as noções correlatas de liberdade e responsabilidade, há grandes expoentes do pensamento ocidental como Freud, Marx e Darwin. Cada um, a seu modo, critica a noção de liberdade e, conseqüentemente, a noção de autonomia do indivíduo a partir de regiões específicas da realidade: psicologia, economia/sociologia e biologia, respectivamente. No mesmo sentido, filósofos como Nietzsche, Heidegger e Foucault recusam sistematicamente a noção do sujeito moderno como racional e espontâneo.

Pippin se pergunta por que os ideais iluministas falharam do ponto de vista filosófico, já que do ponto de vista prático houve uma considerável evolução da técnica e da ciência, e, com elas, o aumento do bem-estar do indíviduo e de suas capacidades de escolha. A ciência e a técnica, com a ciência econômica à frente, foram responsáveis pela racionalização da produção, provocando imensos ganhos de produtividade e, assim, o aumento impressionante da riqueza. A universalização da educação, por outro lado, ampliou a compreensão do homem sobre o mundo e a sua capacidade de escolha. Quanto mais educado for o agente, maiores são as condições de compreender o mundo complexo que o cerca e, assim, de escolher as máximas que melhor lhe convém.

Há um desconforto com o sujeito burguês, filho do iluminismo, que, talvez se explique não pelo fracassso da filosofia iluminista, mas pelo seu sucesso. O homem dominou a natureza e criou um mundo que depende somente de suas capacidades e escolhas. Mas esse mundo não se tornou melhor com o homem como senhor da natureza e dono do seu destino. Certamente a noção de espontaneidade como racionalidade venceu. O problema é que o homem é muito mais do que um ser racional e consumista, em quem a pulsão de morte garante um irresistível apego ao conforto e à tranqüilidade até o fim dos seus dias.

A vitória sobre a natureza e a posse dos bens materiais não garante um sentido à vida humana. Ao contrário, a vitória do cálculo e da racionalidade burguesa desmagifica, para usar um termo caro a Nietzsche, a compreensão do mundo, tornando-o duro e insípido. Não há apoio espiritual, pois Deus, em todas as suas manifestações, está morto. O homem está condenado à liberdade, porque, num sentido relevante, ela não lhe pertence verdadeiramente. A liberdade burguesa é indissociável da expectativa do futuro; desse modo, o que resta ao agente racional e livre é esperar a morte, pois lhe falta mesmo a pergunta para iniciar a sua busca pelo sentido das coisas, da vida e da morte. É para a angústia que convergem os esforços pela compreensão do mundo que nos cerca, já que a nossa capacidade de escolha é condicionada pela perspectiva sempre presente ao sujeito livre e racional de que somos finitos, em todas as nossas dimensões.

Adam Smith mostrou que o progresso econômico e social depende da divisão do trabalho, o que significa que progressivamente somos mais e mais dependentes da sociedade. O mito do homem solitário que domina a natureza e é senhor de suas decisões, expresso na história de Robinson Crusoé, é um mito distante da realidade urbana e fragmentária na qual o homem racional e livre do iluminismo se conformou. O homem integral do iluminismo, como cidadão cosmopolita e participante da esfera pública, se fragmentou num sem número de profissões e especializações; se perdeu no labirinto das instituições pós-modernas; se confundiu com a massa e perdeu a sua representatividade. É no mundo racional da burocracia, para lembrar o diagnóstico de Weber sobre a forma mais eficiente de dominação, que os personagens de Kafka se perdem e se deformam. Esse mundo, apesar de toda a sua irracionalidade, é o mundo que o iluminismo nos legou. A vitória da racionalidade e da liberdade permitiram ao homem construir o seu mundo de costas à natureza, e é nesse mundo que o sujeito moderno está preso. É por isso que há um grande desconforto com o sujeito moderno.

Prêmio da Philosophical Quartely: Ensaios sobre autonomia

Abaixo, divulgação do Prêmio de ensaios promovido pela prestigiada Philosophical Quartely. O prazo das inscrições é primeiro de novembro e o tema é autonomia. Não creio que esses prêmios revelem novos filósofos, tal como campeonatos de categorias de base revelam novos craques no futebol. Só para ficar nos mais ilustres, Rousseau e Schopenhauer tiveram seus ensaios, respectivamente no ensaio Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e ensaio Sobre os fundamentos da moral, rejeitados. No caso do segundo, em sua justificativa da rejeição do único trabalho escrito, a academia de Copenhagem expressamente declarou que nem acabara de lê-lo... Enfim, é verdade que os tempos são outros e o tema interessante. Quem sabe aparece uma surpresa brasileira, já que temos vários kantianos ilustres, em várias categorias, por aqui.


Submit your paper to The Philosophical Quarterly Prize Essay Competition 2009 – £1500 prize


Moral Autonomy

In the Groundwork of the Metaphysics of Morals of 1785, Immanuel Kant first introduced the philosophical public to the notion of moral autonomy. The common conception of morality as unconditionally binding is possible only if the human will is construed as subjecting itself to a formal, universal law of reason. This ‘Kantian paradox’ of a necessary law that we freely impose upon ourselves has provoked and inspired philosophers ever since. For Kant, autonomy is also the ground of the special status of human beings, their dignity. In more recent times, notions of autonomy and self-determination have played an important role in more applied fields in ethical and legal theory.


Essays are invited that consider any aspect of moral autonomy or its history.


The closing date for submissions is 1st November 2009.


For entry details, please visit:

http://www.st-andrews.ac.uk/%7Epq/essay09.htm.

Liberdade, autonomia e justiça

A análise em profundidade e a centralidade da liberdade como problema filosófico é algo muito recente na história da filosofia. O conceito de liberdade, embora antigo, começa a ser tematizado com radicalidade apenas em meados do século XVII. O que me interessa aqui é traçar o desenvolvimento da tradição liberal de Locke, Rousseau e Kant, que leva a uma abordagem da justiça como liberdade. Nesse post, um esboço da justiça como liberdade na visão de Amartya Sen.

Para Locke, bem como para outros da tradição jusnaturalista, o homem possui direitos naturais, inatos, que não podiam ser postos em risco nem por outros cidadãos, nem pelo poder estatal. A liberdade era vista como não-impedimento, ausência de restrições. O foco de Locke em sua abordagem era fornecer bons argumentos para impedir o abuso do poder estatal sobre os cidadãos. No estado de natureza os homens eram livres, gozando de todos os seus direitos naturais. A entrada no estado civil não lhes retira esses direitos, que devem ser exercidos sem interferências externas. Nesse sentido, liberdade é entendida em sentido meramente negativo.

Rousseau dá um passo avante quando afirma que entrada no estado civil é uma ato de autonomia do homem, à medida que ele se submete espontaneamente às leis do estado civil, saindo, com isso, do estado de natureza. A liberdade como autonomia é liberdade em sentido positivo. É uma capacidade que o homem livre e soberanamente decide exercer: se submeter às leis não deve ser motivado pela coerção ou pelo medo, mas pela livre adesão dos espíritos.

Liberdade, nesse sentido, adquire nova e poderosa dimensão, fornecendo a base para o desenvolvimento do iluminismo e inaugurando a modernidade.

Kant, o pensador iluminista mais sistemático, afirma que o iluminismo é a saída do homem de sua minoridade, estado no qual ele mesmo se colocou. Segundo Robert Pippin, em Modernism as a philosofical problem, a tarefa do cidadão do mundo agora, na modernidade, é a busca da maioridade, ou seja, da autonomia. A tarefa, portanto, é o desenvolvimento do homem enquanto ser racional e livre, pois racionalidade e liberdade, do ponto de vista prático, são equivalentes.

O conceito de autonomia é formulado rigorosamente por Kant em sua Fundamentação da metafísica dos costumes. Autonomia é capacidade do homem de, espontaneamente, seguir leis. No caso específico da filosofia de Kant, do homem seguir a lei moral, cujo princípio fundamental é o imperativo categórico: age de tal forma que a máxima da tua ação possa se transformar numa lei universal.

O desenvolvimento do conceito de autonomia influenciou profundamente as idéias sobre o que seja justiça. Uma sociedade justa é uma sociedade em que os seus cidadãos sejam livres e que possam, portanto, exercer a sua autonomia. Desse modo, as instituições devem funcionar de tal maneira que permitam o desenvolvimento da autonomia dos seus cidadãos. Mas, o que significa isso exatamente?

Recentemente, Amartya Sen, em seu Desenvolvimento como liberdade, ilustra liberdade em sentido positivo de maneira didática: um cidadão do mundo deve ter a liberdade (em sentido positivo) de celebrar contratos, pois essa é uma condição fundamental para ele poder ter dignidade nas sociedades complexas contemporâneas. Sem essa liberdade, esse cidadão não pode nem ser empregado, quiçá, patrão... Contudo, o exercício positivo dessa liberdade requer uma série de não-impedimentos. Por exemplo, para exercer a liberdade de celebrar contratos, esse cidadão deve saber ler e escrever, pois, senão, de outro modo, ele não pode exercer sua liberdade de celebrar contratos. Pobreza nada mais é do que uma série de impedimentos, que não permitem ao homem o desenvolvimento de sua liberdade. Justiça social é o funcionamento das instituições de tal modo que elas permitam o desenvolvimento da liberdade de seus cidadãos, numa palavra, que eles sejam autônomos.

3 de fev. de 2009

O que aconteceu em Paraisópolis???

Algumas vezes uma imagem vale mais do que mil palavras. Caso da foto de Tuca Vieira ao lado, respondendo à pergunta: o que aconteceu em Paraisópolis???

Pobreza e justiça: questões antigas, novas relações

Publico abaixo mail que mandei ao Dadaseyn em resposta à um post do Rogério Severo sobre o fato curioso de que antigamente lidar com a pobreza era uma questão de benemerência e hoje é uma questão de justiça.

Talvez a idéia de que ninguém deva ficar abaixo da linha da pobreza seja uma idéia moderna, pois, até onde eu sei, não havia sido desenvolvido o conceito de linha de pobreza ou outro conceito análogo em Atenas.

Agora, Platão trata com profundidade a questão na República, o livro em que trata sistematicamente da justiça. Lá, uma das condições fundamentais para uma sociedade justa é existência de uma classe de produtores, que fazem justiça ao fazerem o que sabem fazer melhor, produzir.

Bom, aproveitei e fui dar uma conferida no Górgias, onde o tema da justiça e da economia também são tratados e lá encontrei água para o moinho do Fleischacker. Veja a conclusão da argumentação de Sócrates contra Polo:

Sócrates — Logo, a economia livra da pobreza; a medicina, da doença; e o castigo, da intemperança e da injustiça.

Polo — Parece.

Sócrates — E de todas elas, qual será a mais bela?

Polo — A que te referes?

Sócrates — Economia, medicina, justiça.

Polo — Sem comparação, Sócrates, a justiça.

Podemos inferir dessa conclusão que economia e justiça são diferentes pois não havia, digamos assim, remédio normativo contra a pobreza (leis, projetos públicos, bolsas, etc). Ou seja, as condições materiais não estavam sob controle direto das instituições sociais. Algo bem diferente do que acontece em Rawls, onde se pressupõe que os bens sociais principais possam ser corretamente mensurados para poderem ser distribuídos.

Certamente a aproximação do problema da pobreza com o problema da justiça está associado com o desenvolvimento conceitual da economia e com o avanço das técnicas de mensuração da riqueza. A econometria, por exemplo, a grande ferramenta para formulação e execução de políticas econômicas é uma ciência bebê, com apenas 60 anos.É possível pensar nesse caso num argumento análogo ao utilizado por Hans Jonas no seu Princípio Responsabilidade, quando afirma que os conceitos éticos na Grécia Antiga tratavam apenas e exclusivamente de questões humanas. Com o aperfeiçoamento da técnica e o conseqüente domínio da natureza, o homem passa a ter um poder sobre a natureza que não tinha antes. Dessa feita, os conceitos éticos devem ser ampliados de modo que abarquem também a natureza. Não havia responsabilidade pelas nossas florestas porque não podíamos destruí-las. Agora que podemos, somos, ao contrário de quando não podíamos, moralmente responsáveis por elas.Do mesmo modo, antes a pobreza não era um problema moral (melhor colocado, um problema de justiça) porque não se podia fazer nada - a não ser caridade - para aplacá-la. Hoje, com o atual grau de desenvolvimento das forças produtivas é possível eliminar a pobreza: é algo que está ao nosso alcance fazer; portanto, eliminar a pobreza é sim, hoje, uma questão de justiça.

Assim, para te responder diretamente a questão 2, me parece que houve um acréscimo às discussões tradicionais sobre a justiça na medida em que os temas eram antigos e bem conhecidos. Agora, houve uma extensão do conceito de justiça devido as novas ferramentas empíricas que surgiram para tratá-lo.